Opinião

Acabou-se o que era doce

Como gostava eu de saber escrever. Como gostava de encher uma página branca com o que me vai na alma. Como gostava de ter a arte de alguns, aquela capacidade de, somando letras, palavras e frases, fazer transparecer os nossos pensamentos, mas sobretudo os nossos sentimentos.

O que escreveria eu depois de ver o que vejo, de ouvir o que ouço e de sentir o que sinto? Como espelharia a revolta que sentimos depois de ver o que vemos há exatamente um ano na Ucrânia? Como traduzira a impotência que temos perante a força destrutiva do sismo na Síria e na Turquia?

Não tenho esse talento. Dirão uns que é (i)nato, dirão outros que é defeito de formação ou falta dela. Se calhar não é nenhuma delas ou serão todas em conjunto.

Apesar disso, não abdico destas tentativas semanais, que o Diário Insular amavelmente reproduz, de escrever o que penso. Dizem alguns que ninguém lê jornais, mas encontro muitos que dizem que leram o que eu escrevi. Muitos deles dizem que sou cáustica na escrita. Talvez por isso, de vez em quando, preciso de fazer um intervalo de mim própria.

Aos meus leitores me confesso, não consigo ser e escrever de outra forma, sem traduzir o meu olhar assumidamente imperfeito, que invariavelmente não agrada a alguns.

Também tenho temas da minha preferência, é verdade. Prefiro sempre falar sobre o que me é próximo, física e emocionalmente.

Talvez por tudo isto me apaixonem os nossos "Bailhinhos", porque são como eu ou eu como eles: amadores, críticos e muitas vezes corrosivos.

Retomámos com força. Com vontade de correr salões. Com vontade de levar alegria aos corações. Com vontade de dizer presente, com vontade de reafirmar que o Carnaval da Terceira está vivo e de boa saúde.

Há muitos anos que para mim não era assim: 3 dias à espera do foguete enquanto preparava um bolinho para a mesa do nosso salão. Não queria perder este, nem aquele. Só não levei farnel como fazia com a minha avó, mas não arredei pé, não quis perder pitada. Como eu muitos outros, sedentos de ver os nossos artistas, de ouvir os nossos músicos, de conviver e estar com os nossos amigos e família, com quem partilhámos gargalhadas, bifanas e umas belas filhoses.

No fim, fica um orgulho imenso pelas centenas de Homens e Mulheres, mais velhos e mais novos, que sobem aos palcos da Terceira, que durante meses se preparam para nos alegrar estes dias e que o fazem de forma tão genuína e generosa. No fim fica também a saudade desta espécie de amizade que nos liga e que só volta daqui a um ano.

Na memória ficou este momento dito e escrito pelo João Mendonça:
 

"Houve um pavão que me quis calado,
Mas nunca tive medo ao longo da minha jornada,
Sou um homem livre, não vivo amarrado,
Como muitos vivem presos à ossada."