Opinião

Quando a Autonomia esquece os direitos sociais das mulheres

A legalização da interrupção voluntária da gravidez é uma matéria sensível por influir em domínios difíceis de escrutinar como a emancipação feminina, a sexualidade, a saúde, os direitos humanos e questões de consciência.

Indicadores estatísticos oficiais provam os resultados e impactos positivos das políticas públicas promotoras da educação sexual, do planeamento familiar e da legalização da interrupção voluntária de gravidez.

A aplicação desta Lei na RAA, desde a sua promulgação em 2007, procurou envolver os três hospitais da Região e, conforme dados do Governo Regional, do total de médicos especialistas em Ginecologia/Obstetrícia, existem quatro médicos não objetores no Hospital do Divino Espírito Santo (HDES) e dois no Hospital da Horta (HH).

Todavia desde 2021 só no HH é que é possível às mulheres aceder a este direito.  

Às mulheres de São Miguel ou acompanhadas pelo HDES foi-lhes vetado o acesso a este direito por deliberação do Conselho de Administração deste Hospital, tendo em 2022 recorrido a este serviço 120 mulheres, de acordo com declarações do Diretor do Serviço de Obstetrícia do HDES, Dr. Carlos Ponte, e não apenas as 80 que o Governo refere terem sido encaminhadas para uma Clínica Privada no Continente.  

Independentemente do número, a deliberação do Conselho de Administração do HDES configura um claro retrocesso e põe em causa o acesso à liberdade e direitos das mulheres, da Ilha de São Miguel e da Região. Esta deliberação coloca-as numa situação de maior exposição e vulnerabilidade pelo recurso ao aborto cirúrgico e não médico, com uma maior invasão do corpo da mulher e sofrimento psicológico, sem esquecer o facto deste procedimento ter de ser feito fora da Região e da zona de conforto e da família e amigos.

Ou seja, por decisão da Administração do HDES e com a cumplicidade deste Governo de direita, as mulheres que têm necessidade de recorrer à interrupção voluntária da gravidez são, desde 2021, obrigadas a ir para uma clínica privada no continente quando o próprio Governo confirma existirem 4 médicos especialistas não objetores de consciência.

Uma decisão que não só põe em causa a saúde das mulheres que têm de se deslocar ao continente por vários dias como, também, gera mais encargos para o Serviço Regional de Saúde.

Uma decisão que viola os direitos sociais europeus das mulheres açorianas, que agrava a sua condição insular e que não cumpre nem honra a condição autonómica da Região.

Hoje, dia 29 de maio de 2023, comemoramos a Autonomia Legislativa Regional dos Açores na Ilha do Pico.

Uma comemoração que se aproxima dos 50 Anos de Autonomia e, no entanto, situações como esta alertam-nos para as ameaças aos valores de abril e o tanto que ainda há a fazer pela igualdade e pela salvaguarda dos direitos sociais dos Açorianos e Açorianas.