As sociedades modernas estão soterradas em informação, dificultando a destrinça entre factos e opiniões. Passámos de uma sociedade mediatizada para uma hipermediatizada, onde a realidade algorítmica enfraquece o 4º poder. As grandes plataformas tecnológicas moldam a visão do mundo de cada utilizador com base em algoritmos que reforçam preconceitos e criam a ilusão de maior conhecimento, enquanto restringem a exposição a ideias contrárias. O debate torna-se tóxico e as discussões saudáveis dão lugar ao ódio e à intolerância.
Decisões como a de Mark Zuckerberg, de suspender a verificação de factos no Facebook, impactam negativamente o debate público e ameaçam a democracia. Não há como negar as evidências: o poder descontrolado de alguns oligarcas das tecnologias é hoje uma verdadeira ameaça às democracias representativas. Em breve, o debate poderá colocar-se entre aquelas e um modelo alternativo de democracia direta, em que os oligarcas, com o seu imenso poder, exercem uma influência sem precedentes na forma(ta)ção da opinião pública. Veja-se o modo desabrido e arrogante como Elon Musk interfere (sob a capa da liberdade de expressão) na vida política e democrática de vários países da União Europeia.
A ameaça está bem patente e já nem sequer se esconde. No choque entre os diferentes valores e interesses, as democracias têm que "afinar" as regras do jogo e defender-se dos vilões que as querem vergar à sua vontade. Não se trata, obviamente, de "policiamento", nem de controlo do direito de liberdade de expressão, mas simplesmente de uma prática responsável que deve existir nos meios digitais, tal qual existe (ou deve existir) na nossa vida em sociedade:de que a ofensa, a mentira e a falsidade não devem correr livres e medrar, sobretudo se queremos proteger as sociedades democráticas de quem usa estas ferramentas - a par do medo - como combustível da sua ambição.
É por isso que, nesse capítulo, a aprovação pela UE da Lei dos Serviços Digitais (Digital Services Act) e da Lei do Mercado Digital (Digital Markets Act) constituem uma importante salvaguarda para os cidadãos europeus, ao obrigar as grandes plataformas a um conjunto de práticas e de condutas devido à sua dimensão e ao potencial impacto que têm na sociedade.
Para além disso, há também lições a retirar que não isentam o jornalismo atual. É fundamental reforçar e valorizar o papel dos órgãos de comunicação social, públicos e privados, e do jornalismo independente, acutilante, bem formado e bem apetrechado, enquanto bastião da informação imparcial e isenta. Mas, este deve também cumprir regras, a começar pelo código deontológico que diariamente é atropelado quer nos OCS públicos quer privados, desde logo no exercício do contraditório, mas também no modo grosseiramente desigual como é tratada a posição e a oposição.
Quando o que está em causa é salvaguarda da democracia e a garantia da igualdade de todos não há, nem pode haver, verdades inconvenientes nem a verdade dos factos se pode iludir ou mascarar com exercícios de promoção de vaidades pessoais em função das ambições políticas ou económicas de cada um.
Já não há tempo a perder num combate desigual e em plano inclinado.