I
As sociedades modernas estão hoje soterradas em informação. Destrinçar e organizar a informação que importa é um processo complexo, sujeito a uma miríade de interpretações que, no limite, estilhaçam a fronteira (indispensável) que separa os factos das opiniões. Em poucas décadas, passámos da sociedade mediatizada para a hipermediatizada com o enfraquecimento do chamado 4.º poder em detrimento do que se pode considerar uma ‘realidade algorítmica’.
Na prática, as grandes plataformas tecnológicas oferecem uma porção individual da ‘realidade’, baseada no perfil individual, talhado pelas opções e escolhas do utilizador. Esta estreita a ‘mundividência’, reforça os potenciais preconceitos existentes e, pior, gera a perceção de que o utilizador adquire mais conhecimento quando, na verdade, está, muitas vezes, a ser alvo do afunilamento de informação que visa reforçar as suas próprias ideias e escolhas. Em vez de discussões saudáveis e fundamentadas em factos, a conversa está contaminada pelo ódio e pela intolerância.
II
É, por isso, que decisões como a de Mark Zuckerberg, de suspender a verificação de factos naquela que é hoje a maior plataforma de comunicação à escala mundial, têm um impacto devastador na qualidade do debate público e assombram as democracias mundiais. O poder descontrolado de alguns oligarcas das tecnologias é hoje uma verdadeira ameaça às democracias representativas. Em breve, o debate poderá colocar-se entre aquelas e um modelo alternativo de democracia direta, em que os oligarcas, com o seu imenso poder, exercem uma influência sem precedentes na forma(ta)ção da opinião pública. Veja-se o modo desabrido e arrogante como Elon Musk interfere (sob a capa da liberdade de expressão) na vida política e democrática de vários países da União Europeia.
III
No choque entre os diferentes valores e interesses, as democracias têm que ‘afinar’ as regras do jogo e defender-se dos vilões que as querem vergar à sua vontade. Nesse capítulo, a aprovação pela UE da Lei dos Serviços Digitais (Digital Services Act) e da Lei do Mercado Digital (Digital Markets Act) constitui uma importante salvaguarda para os cidadãos europeus, mas é preciso fazer mais.
IV
Causaram sonoro desconforto as declarações recentes do secretário-geral do PS sobre falhas e imperfeições da política para a imigração conduzida pelos anteriores governos do PS. Reconhecer que «o PS não fez tudo bem no que respeita à imigração» é, para além de uma evidência, uma necessária atualização que em nada belisca os valores e os princípios do PS. Muito pior é o vazio que o atual Governo deixou nesta matéria porque alimenta uma cultura de medo e o discurso populista.
O PS, como grande partido nacional e europeu, tem uma responsabilidade acrescida e, por isso, tem de se focar nas soluções, ainda que isso implique revisitar e alterar medidas. Também aqui, acompanhar a realidade e adaptar os mecanismos e legislação para fazer face a novos fenómenos, é sinal de evolução e de progresso. Afinal, e como dizia Mário Soares, «só os burros é que não mudam».