Corria o ano de 2006, quando decidimos comprar a nossa primeira casa. Após anos a viver em casa arrendadas, já com o nosso primeiro filho, estava na hora de investir no futuro e em algo que, quiçá um dia (após muitos anos a pagar a prestação à banca), viesse a ser, verdadeiramente, nosso. Esta casa, no concelho de Ponta Delgada, fora, há muitas décadas, uma habitação de custos controlados, que, passados os anos de obrigação de inalienabilidade obrigatórios, fora vendida ao preço normal do mercado imobiliário. Não é, por isso, de estranhar que, em frente a estas mesmas casas, tenham surgido, anos mais tarde, uns prédios com vários apartamentos, construídos e adquiridos em igual regime. Esta breve contextualização serve apenas o propósito de explicar porque é que eu passei a viver ‘paredes meias’ num bairro onde grande parte dos seus agregados familiares se socorreu deste Programa de Apoio à Habitação, para assim ver concretizado o seu mais do que legítimo objetivo de ter uma casa condigna para a sua família. Com o tempo, fomo-nos conhecendo e rapidamente percebi que, alguns dos apartamentos eram também arrendados a famílias que, por infortúnio da vida, se viram obrigadas a recorrer ao tão afamado (principalmente em período pré-eleitoral, e especialmente por parte dos partidos ‘ditos’ de direita) Rendimento Social de Inserção (RSI). Não estaria a ser honesta se não admitisse que momentos houve em que, do alto da minha ignorância, talvez influenciada pelo facto de a vida precocemente me ter obrigado a ‘arregaçar mangas’, dei por mim a condenar quem não seguira igual trajeto, ignorando cruelmente todos os motivos que levaram aquelas famílias àquela condição de ‘subsidiodependência’, muitas delas pela baixa escolarização, outras por uma ausência total de capacidade para priorizar os seus consumos, os seus hábitos, distorcendo por completo aquilo que é de facto fundamental para a sua sobrevivência, daquilo que é completamente dispensável. É exatamente por isso que desde sempre defendo que, em complemento a este apoio financeiro, deverá sempre existir um acompanhamento muito próximo destes agregados, por parte do Estado. Embora na altura tivesse apenas 22 anos, não precisei de muito tempo para perceber a pequenez do meu julgamento. Na verdade, tendemos sempre a julgar em conformidade com a facilidade de argumentação, ignorando propositadamente pensar um pouco mais além. De facto, num discurso populista e demagógico, como aquele a que vimos assistindo ultimamente por parte de alguns partidos políticos, é lamentavelmente intencional direcionar as nossas atenções para assuntos como o RSI, catalogando-o como um roubo escandaloso dos nossos impostos. Mais difícil, menos popular, menos fácil de argumentar, são todos os outros casos de corrupção que se passam no nosso país e também na nossa Região e que, esses sim, nos roubam milhares de milhões a cada novo dia. Os inúmeros casos de corrupção em Portugal, que vão desde a administração pública às autarquias, à política e aos seus atores de topo, à segurança social, à justiça, aos clubes de futebol, à banca, entre tantos outros, parecem ser coisa pouca, porque na verdade não servem para o discurso pré-eleitoral da maioria dos partidos. Num ano que se avizinha pródigo em eleições, como parece que irá ser 2025, que nunca nos falta a capacidade, cada vez mais rara, de ‘distinguir o trigo do joio’!