Opinião

Dar o dito pelo lapso

Podia não ser muito grave se o país fosse uma espécie de réplica do “Portugal dos pequeninos”, com casinhas de fingir e janelas de espreitar para tirar fotografias e ruas de brincar e comida de plástico para enfeitar cestas e pratos e muita gente a rir e todos satisfeitos e por aí afora, mas não é. Portugal é um caso sério. É. Mesmo que os acontecimentos dos últimos dias, como o anúncio de que os subsídios de férias e de Natal só voltam a ser repostos, gradualmente, a partir de 2015, ano de eleições legislativas, ou a suspensão das reformas antecipadas pudessem fazer pensar ao mais comum dos cidadãos que Portugal é um país de faz de conta com políticos que se disformam como os espelhos do jardim zoológico... Parece que andam todos a brincar com a vida das pessoas. As notícias dão-nos conta de que o rendimento dos funcionários públicos vai sofrer uma redução de 3, 4 milhões de euros com o corte de dois subsídios e que cada um dos 400 mil trabalhadores perde, em média, 8500 euros em remunerações. Os governantes da República calam-se e quando falam dizem, com leviana leveza: “Foi um lapso!” Um lapso, senhoras e senhores. Por menos já vimos um Ministro ser mandado embora. Pois este “lapso” adia para dois anos à frente, a concretização de uma promessa que não é uma coisa qualquer, que mexe com a vida das pessoas, com a economia dos lugares, mas que a avaliar pelo silêncio soturno, só quebrado por Miguel Relvas, não interessa nada a quem governa o país. Não interessa (também) nada ao Presidente da República que, em vésperas de Sexta-Feira Santa, promulgou a lei que proíbe as reformadas antecipadas até 2014 para todos os que tiverem mais de 57 anos de idade e no mínimo 30 anos de descontos. Esta decisão sendo contra os trabalhadores é também contra as empresas. Por toda a Europa muitas empresas utilizam este sistema para renovar os seus quadros e manter as empresas competitivas. Em Portugal vai-se fazer exactamente o contrário. Li num artigo de opinião publicado no fim de semana da Páscoa que “as reformas antecipadas na Volkswagen alemã permitem a admissão anual de mais de 1500 jovens com contratos permanentes, jovens, cujo salário admissão sendo inferior ao salario do trabalhador que sai, permite por um lado a empresa subsidiar parte da pré-reforma e por outro, reduzir custos e fruto da idade e capacidade dos jovens admitidos aumentar a produtividade” (António Chora, Diário Digital, Rostos.pt). Ora o nosso Primeiro-Ministro podia ter olhado para a Alemanha, antes de tomar esta decisão que vai prejudicar mais ainda os trabalhadores e as empresas, juntando-se a uma série de outras más medidas que têm vindo a ser impostas. O lapso eleitoralista do Governo de Passos Coelho é uma mentira grande, pregada aos portugueses sem qualquer tipo de escrúpulo. Escreveu Medeiros Ferreira, no Correio da Manhã, a semana passada, que “ (…) Tudo ponderado é caso para dizer que este governo segue um caminho errado e ainda toma piores atalhos.” É bem verdade. Nunca se viu tanto lapso junto, ajustado a um calendário próprio e eleitoral de quem governa o país. Além da desgraça real que estes timings impõem, há a outra que afasta os cidadãos (mais ainda) dos políticos, que desanima os cidadãos (mais ainda) em relação à política e que nos prejudica a todos, sejamos políticos ou não. Quando políticos destes, representantes do Estado português, se negam a ajudar o Povo do seu país em detrimento das suas próprias agendas, podemos pensar tudo. Fazer qualquer coisa. Só não podemos ficar a assistir impávidos e serenos, enquanto nos roem os ossos e nos tomam por tolos. mrcmatos@yahoo.co.uk