Todos os cidadãos, independentemente do seu credo, estatuto social ou raça, são iguais perante a lei, ao nível de direitos e obrigações. Mas essa igualdade deve significar um tratamento igualitário do Estado perante todos?
Contrariando a maré de indignados e ofendidos com a questão da “lista VIP”, não considero o princípio que enferma a criação deste tipo de lista errado. Há, de facto, um conjunto de cidadãos na nossa sociedade - de todas as áreas profissionais e sociais – que estão sujeitas a um escrutínio exagerado – muitas vezes nada inocente - que pode ir para além dos direitos, liberdades e garantias destes mesmo indivíduos.
Por muito rico que seja o Cristiano Ronaldo ou importante que seja Cavaco Silva, apesar da curiosidade que possamos ter de verificar as suas fontes de rendimento e as suas deduções à coleta, devemos perceber que estas figuras têm tanto direito ao sigilo fiscal como qualquer outro cidadão.
Dir-me-ão alguns que o Presidente da República é um responsável político eleito, devendo ser, por isso mesmo, sujeito a um escrutínio mais rigoroso.
Por isso - respondo - é que a lei já prevê, nestes casos, uma fiscalização adicional, a que não está sujeito o comum dos cidadãos, do Tribunal Constitucional aos seus rendimentos. Como também não devemos ter pruridos em admitir que a probabilidade que estas figuras têm, de ver, indevidamente e ilegalmente, a sua privacidade devassada, é muito maior do que a probabilidade de isso acontecer comigo ou com o meu vizinho do lado.
Nestes casos, o Estado tem a obrigação de discriminar positivamente estes cidadãos para que a igualdade entre todos seja restabelecida, se necessário for, criando, por exemplo, listas específicas no fisco que garantam a sua privacidade.
Mas se estou de acordo com qualquer discriminação positiva que garanta a igualdade, em termos de liberdades, direitos e garantias, de todos os cidadãos perante o Direito, considero que esta deve estar estabelecida sempre em forma de lei.
Aliás, este tipo de discriminação positiva é muito comum no nosso Direito. Basta lembrarmo-nos da proteção jurídica de que gozam os advogados ou os juízes, ou da imunidade parlamentar a que tem direito os Deputados. Em ambos os casos, são direitos circunstanciais, fiscalizáveis, adstritos à atividade que exercem, que têm como objetivo garantir o livre desempenho da função.
No caso da famosa “lista VIP” - apesar de concordar em tese com o seu objetivo final – considero que o Governo de Passos e Portas fez tudo mal, sendo desastrado e profundamente incompetente na gestão deste processo o que fez, legitimamente, desconfiar do verdadeiro propósito desta lista.
A lista foi feita sem qualquer cobertura legal - sendo, portanto, ilegal – e com, ao que consta, apenas quatro personalidades: Passos, Portas, Cavaco Silva e Núncio.
Ora, uma “lista VIP” com apenas quatro pessoas, secreta, ilegal, de que o Governo, despudoradamente, nega conhecer não pode significar, necessariamente uma coisa boa.
O facto de serem apenas quatro pessoas implica necessariamente que se quer proteger uns em detrimento de outros em situação igual.
Mais uma vez, em Portugal estamos a discutir o assunto errado!
O grave não é a existência de uma “lista VIP” que visa proteger situações colocadas em abstrato! Grave, é o facto de o Governo agir alegando a defesa de um princípio - o da igualdade – atropelando todos os restantes pilares do Estado de direito, como sejam: o primado da lei, da transparência e da separação de poderes.
Ora, isso é próprio de todos os regimes menos os Democráticos
P.S. - Hoje é o dia em que se inicia o novo modelo de acessibilidades aéreas aos Açores. A maior prova de vida de um Governo é ser capaz de renovar as suas próprias políticas. Depois da revolução dos transportes aéreos feita em 1996, esperamos, hoje, iniciar dar o passo em frente em matéria de acessibilidades.