Opinião

Abril - com A grande

Não vivi o 25 de Abril. Nasci sete anos depois dessa data. Nada vivi da repressão que me contam, da impossibilidade de expressar ideias e opiniões ou mesmo de andar livremente pela rua. Nasci sem saber a diferença. A única coisa que conheço foi o que me ensinaram os livros de História e a minha família. Aquilo que para os meus pais e os meus avós foi prática, para mim é apenas teoria. E se hoje o 25 de Abril me apaixona, para isso em muito contribuiu o facto de ter pais que me incutiram a importância, mais que da data, daquilo que ela significou. E para quem não teve a possibilidade desse ensinamento? Poderão as gerações vindouras continuar a fazer do 25 de Abril mais do que um feriado? Bastarão no futuro os discursos na Assembleia da República, os cravos pelas ruas para o lembrar? Ou irá a memória diluir-se nas fotografias a preto e branco e nos arquivos da RTP? Não tenho respostas. Tenho apenas o ceticismo natural de quem quer acreditar que o Dia da Liberdade será salvaguardado nos corações de todos os Portugueses – os de hoje e os de amanhã – mas que receia, naturalmente, que a força da Liberdade tomada por garantida faça obliterar a importância das atitudes, das figuras, dos atos que levaram ao 25 de Abril, assim tornando também secundária a mística que envolve todo aquele dia. Mas sinto que, por enquanto, ainda se mantém um grito de “Liberdade” genuíno. Anteontem, na Ribeira Grande, vi jovens da Juventude Socialista a distribuir cravos pelas ruas, a cantar a Grândola a plenos pulmões, a vibrarem com a Pedra Filosofal. Vi abraços e entusiasmo genuínos – vi um futuro para o 25 de Abril. Acompanhando-os, vi as pessoas a sorrir à sua passagem e ao receber de uma flor. Senti que eles sabem que a possibilidade que têm de exercer em liberdade todas as suas faculdades não foi gratuita. Vi neles Esperança, sabendo que exercem os valores de Abril todos os dias. Recentemente li um artigo em que se dizia que hoje, segundo um estudo científico, ainda há pelo menos um quinto de portugueses com saudades dos tempos pré-revolução de Abril, que têm mesmo uma perceção positiva do autoritarismo. Entre eles, contam-se pessoas que foram afetadas pelo desemprego nos mais recentes anos. Não posso dizer que me surpreenda. Em contextos de crise, os regimes totalitários, também pelo seu caráter protecionista, oferecem atrativos aos mais fragilizados. Mas ainda me custa acreditar que portugueses existam que trocariam a sua liberdade por uma qualquer imitação de conforto. Em boa verdade, o referido estudo abrange os anos de 2004 a 2014, pelo que, a julgar pelos mais recentes indicadores, creio que teríamos, no presente, dados um pouco diferentes. Não deixa de ser, não obstante, chocante que tantos portugueses suspirem pelos dias em que até para se ser portador de um isqueiro se precisava de uma licença e onde os colaboradores do Regime espreitavam a cada esquina, à caça das mais idióticas razões para exercer a repressão típica de então. Por mim, continuarei a celebrar e a comemorar o 25 de Abril como agradecimento pela possibilidade que tenho de ver e ouvir o que quero, de falar e escrever sobre o que quero. Pela liberdade que tenho de reclamar, de reivindicar, de protestar. De ser Eu. Cabe a cada um manter o espírito vivo, não só em nós, mas nas próximas gerações – para que Abril seja vivido e sonhado a cada dia, para que se transfigure constantemente num verdadeiro modo de vida e seja muito mais que uma mera data em que não há escola. Cabe a todos celebrar e viver Abril como ele merece – com A grande.