I. Está azedo e agreste o debate político nos Açores. Cerca de cinco meses adentro de uma nova legislatura e já há quem peça a cabeça de secretários regionais e presidentes de empresas públicas; quem fulanize todas as críticas, usando o bom nome de membros do Governo e de quem mais for preciso; quem transforme qualquer notícia em escândalo ou irresponsabilidade; e quem clame por falta de democracia a cada votação. Até há – veja-se bem! – quem leve a cabo sinistras operações de consulta e recolha de tudo o que escreveu ou disse ao longo da sua vida pública o atual líder parlamentar do PS e depois procure com isso condicionar o que escreve e diz agora – sem sucesso, como é óbvio.
O clima é, pois, de total irracionalidade política. Tudo serve de pretexto para tentar montar um discurso público de instabilidade e agitação. A realidade pouco importa. O que interessa é o peso que a narrativa da realidade que cada um cria consiga ter no discurso mediático e na mente dos cidadãos.
Esta estratégia, seguida por boa parte da oposição – não toda, felizmente -, é uma resposta básica e instintiva ao resultado das últimas eleições Legislativas e uma antecipação, também ela primária, ao período eleitoral autárquico que vamos viver. Ao mesmo tempo, é reveladora também da necessidade de afirmação entre pares que continuam a sentir aqueles que nunca conseguiram justificar a sua liderança com resultados.
II. Perante as Regionais de outubro último, que culminaram um ciclo de quatro derrotas eleitorais consecutivas, o PSD/Açores tinha um problema de liderança para resolver. Fê-lo reelegendo o deputado Duarte Freitas, perante um cenário de quase ausência de alternativa, mas esqueceu-se de definir, em simultâneo, um novo quadro estratégico de ação, porque não é racional manter a mesma forma de atuação e esperar outros resultados.
Por isso, outubro para o PSD/Açores não teve qualquer significado prático. É o mesmo líder, com as mesmas propostas que os Açorianos não validaram, a dar corpo a um mesmo discurso de bota-abaixismo permanente, repleto de hipérboles negativas e de insinuações infundadas. Nada mudou internamente e, como tal, tudo se agudizou externamente – o discurso, o azedume, a dificuldade em lidar com a contrariedade de uma nova maioria do PS.
Nisto o PSD é acompanhado por aqueles que fizeram do derrube do PS, e não do futuro da Região, a razão de ser da sua existência política. Confortados por estarem dependentes de realidades eleitorais muito específicas e pouco volúveis, jogam tudo no ataque à maioria, à espera que isso a faça cair. Lançar confusão, em política, só é penalizador para quem tem responsabilidades ou espera vir a tê-las. Para os outros, é uma espécie de alimento para a alma, mesmo que faça muito mal à perceção que as pessoas têm da qualidade do debate político.
III. Se o maior partido da oposição vive com o handicap de ter o mesmo líder a propor as mesmas coisas, então só lhe resta gritar mais alto, acusar com mais intensidade, multiplicar geográfica e sectorialmente as suspeições e carregar nos tons de negro, utilizando como música de fundo a lengalenga da maioria que tudo oprime.
E os factos? Bom, se é que ainda importam os factos, o Orçamento contou com votos favoráveis de parte da oposição, a maioria parlamentar do PS já aprovou duas iniciativas de partidos da oposição em cinco meses de legislatura, foi promotora de duas resoluções conjuntas e aceitou rever o Regimento sujeitando-se a uma maioria de dois terços. Em paralelo, o desemprego baixou, o PIB aumentou, o défice é o mais baixo do país e a dívida é mais de quatro vezes menor do que a nacional.
As agruras são, portanto e felizmente, do foro interno. Nada têm a ver com a vida vivida dos Açorianos ou com a qualidade da nossa democracia.