O debate político já não é o que era… tornou-se, sim, algo supostamente “ignóbil” e “conspurcado” para o comum dos cidadãos, pouco merecedor de atenção, em detrimento da opinião “isenta” dos “técnicos”, dos lobistas ou dos representantes de setores da sociedade civil. É um fenómeno estranho em democracia, - mas intrinsecamente instalado em alguma comunicação social nas sociedades ocidentais – como se, para avaliarmos a qualidade de um automóvel, confiássemos mais na marca que o produz do que nos testes independentes realizados.
Não deixa de ser irónico e, já de vez, paradoxal, que aqueles que defendem a precedência dos lóbis e dos representantes de setores da sociedade civil face aos reais representantes eleitos do povo, na tomada de decisão pública, o fazem, utilizando, exatamente, o argumento de melhoria da democracia.
O debate político já não é o que era…. Entre partidos diferentes, que pensam de uma forma distinta e que propõem ideias alternativas, agora há, os partidos inimigos, a imposição de “verdades únicas” e os assassinatos de caráter nas redes sociais. A pessoalização sobrepôs-se à ideia, a acusação ocultou a discussão e o imediatismo do “soundbite” ultrapassou o tempo da reflexão ponderada.
Nada contribui mais para esta “nova ordem vigente” do que a perigosa ideia neoliberal, tantas vezes defendida pelo Presidente Cavaco Silva e pela direita, de que “duas pessoas, com a exatamente a mesma informação, chegam necessariamente à mesma conclusão.” Ora, a aplicação deste pensamento, de matematização da decisão política - sobretudo a relacionada com a economia - leva-nos, rapidamente, à ditadura da conclusão, ao caminho de conceção única e intolerante e à ausência de alternativa política. Neste pressuposto, quem não assume a conclusão lógica, face aos factos apresentados, terá que necessariamente ser “pouco sério” no “jogo político”. Esta ideia - transformada em exemplos comuns, do tipo “gerir as finanças públicas é como gerir as finanças domésticas”, ou “gerir o Estado é como gerir uma empresa” – tem efeitos devastadores na credibilidade do sistema democrático, pois o cidadão é levado a acreditar, de uma forma errada, que a decisão do servidor público deveria ser simples, óbvia e inevitável, quando, na verdade, não o é.
O debate político já não é o que era…. garantida a ideia errada neoliberal de que, face aos factos, não há alternativa na solução. Para adotar outro caminho, questionam-se os factos, e se necessário for, criam-se factos alternativos. Assim fez Trump para se conseguir eleger presidente. Assim farão os populistas de direita na sua tentativa de assalto ao poder democrático.
O debate político já não é o que era…, mas ele só existe em democracia, a qual, apesar dos todos os defeitos, é a melhor fiadora das garantias de todos os cidadãos e do Estado de Direito. Isso, apesar do desmerecimento dos tais setores da sociedade civil, de alguma opinião publicada e dos lóbis, das ideias radicais de direita e de esquerda e da agressividade insensata e incompreensível das discussões geradas.
Deve ser por isso defendido e estimulado.