Opinião

Perguntas que ofendem

I. A explicação é muito simples, mas o equívoco, alimentado por razões de guerrilha política e de negligência interpretativa de quem tem por missão informar, teima em permanecer. Nos Açores a pesca do goraz é das mais rentáveis, mas a quantidade anual de pescado está limitada, por imposição europeia, a 507 toneladas. Como forma de otimizar a gestão da quota, o Governo Regional determinou a existência de uma paragem anual de um mês e meio, no período de inverno. Para poderem pescar mais na altura do ano em que o peixe é vendido mais caro, os pescadores param a pescaria no período em que o peixe é menos valorizado. Pescam globalmente o mesmo, mas com maior rendimento. Como se percebe, este defeso nada tem a ver com uma eventual paragem da atividade para proteger a espécie e a sua sustentabilidade futura, se bem que esta também é uma matéria importante e sensível, até do ponto de vista político. Ainda em outubro último, o Governo Regional e a Comissão Europeia estiveram em intensas negociações a este propósito, com base numa proposta inicial das autoridades comunitárias, que pretendiam uma redução da quota de goraz para os Açores na ordem dos 12%, para 2017 e 2018. Na altura, o Executivo dos Açores argumentou, com sucesso e com base em dados científicos, que se verificava um aumento do stock da espécie e que se tratava de uma pescaria com forte impacto socioeconómico no contexto específico da Região. II. Aquando da recente paragem da pesca ao goraz no Inverno, o PSD Açores defendeu que o Governo Regional devia pagar aos pescadores enquanto estivessem sem pescar e que o podia fazer recorrendo a fundos comunitários. Na altura, foi explicado que os apoios da União Europeia, no âmbito do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP), se destinavam a compensar paragens biológicas, isto é, para a recuperação da espécie, e não paragens de gestão de quota. O PSD Açores, tentando tirar proveito das naturais expectativas dos pescadores, decidiu manter a sua tese e continuar a promover uma confusão desnecessária entre os dois tipos de paragem. O passo seguinte foi dado pela Eurodeputada Sofia Ribeiro, que, a 16 de fevereiro, endereçou à Comissão Europeia uma pergunta escrita sob o título “Apoio no período de defeso por paragem biológica na pesca de goraz nos Açores”. Começando por contextualizar as medidas de proteção das espécies e de defeso por razões biológicas, a autora do texto culmina com a pergunta concreta: “Apoiaria [a Comissão] a implementação de uma medida idêntica, no âmbito do MAR 2020, destinada ao apoio à cessação temporária da pesca de goraz nos Açores durante o período de defeso por paragem biológica? Se sim, em que condições?” (sublinhado nosso, para ficar mais evidente a fundamentação). A esta pergunta, a Comissão disse sim, sim senhora, que cofinanciaria. No ato seguinte deste melodrama político, o deputado Duarte Freitas, indignado e com um certo je-ne-sais-quoi dos tempos em que andou nos corredores de Estrasburgo, ladeado pela Senhora Eurodeputada, circunspecta, sentenciou: o Governo Regional mentiu aos pescadores! Assim, sem arredondar os cantos nem aplanar as superfícies. Mentira! Mais nada. Os pescadores foram enganados. O Governo voltou a explicar e o deputado Duarte Freitas voltou, em carta enviada às associações do setor, a garantir que a Europa financia paragens biológicas, como se fosse essa a questão, embora ele já saiba, há muito, que não é. III. Como se escreveu no início desta crónica, a explicação é muito simples. Houve dolo. Se a Senhora Eurodeputada se tivesse enganado na pergunta por falta de informação ou por informação inquinada, estaríamos perante uma situação de negligência política, mas como o PSD Açores e a Senhora Eurodeputada perguntaram o que lhes dava mais jeito em termos políticos, mesmo sabendo que não estavam a perguntar o que era realmente importante esclarecer, estamos perante um episódio de conduta política dolosa. Ao contrário do que diz o provérbio, perguntar às vezes ofende. E, neste caso concreto, ofendeu a dignidade da atividade política, que se deve exercer no superior interesse daqueles que representamos e não para alimentar polémicas e indignações artificiais. Ofendeu as legítimas aspirações dos pescadores açorianos, para quem este assunto representa o futuro da sua atividade e a rentabilidade do seu esforço. Ofendeu a relação de confiança que se deve estabelecer entre todos aqueles que lutam pela melhoria das condições de vida da nossa Região, independentemente de o fazerem a partir de posições ideológicas e partidárias distintas.