Opinião

Abandonar a Autonomia

I. Abandonar uma comissão parlamentar é uma desconsideração em relação ao mandato recebido dos açorianos e uma (mais uma) afronta ao sistema parlamentar autonómico. Fazê-lo por não gostar do deputado que Preside à comissão em questão é ainda mais grave e revelador de uma preocupante tendência para tornar pessoal o que deve ser institucional. Os deputados do PS asseguraram sozinhos, em reunião realizada nas Flores, o funcionamento da Comissão de Economia (CE) da Assembleia Legislativa porque a oposição decidiu abandoná-la. Fizeram-no porque “perderam” a confiança política no deputado que assume a respetiva presidência. Nesta fase do processo, devemos centrarmo-nos no facto de haver uma comissão parlamentar que só não está parada porque o PS tem perfeita noção das suas obrigações para com os açorianos e que, se dependesse apenas da oposição, teríamos um boicote político sobre a comissão que aprecia todas as questões relativas a áreas tão relevantes da governação como as orçamentais e fiscais, os transportes, a agricultura, as pescas, o turismo, ou o comércio, indústria e energia. II. Neste momento, a CE tem em apreciação 11 iniciativas da responsabilidade dos partidos da oposição, versando assuntos tão diferentes e relevantes como, por exemplo, a alteração da atual Lei das Finanças Regionais, a tarifa social energia ou a reestruturação dos transportes marítimos no Grupo Central. Algumas destas iniciativas foram até apresentadas em Plenário com urgência e dispensa de exame em Comissão, tal era a importância que os partidos proponentes atribuíam às matérias em causa e a pressa que tinham na sua resolução. Neste contexto, o que significa abandonar a CE? Que sentido faz atribuir relevância e urgência política a assuntos que, entretanto, se deixam abandonados por razões de incompatibilidade com o Presidente da Comissão? Como explicar, por exemplo, aos graciosenses que votaram no PSD que a inclusão da ilha na dita linha lilás da Atlânticoline é menos relevante que a opinião política do PSD em relação a um deputado do PS? Como justificar, por exemplo, aos açorianos que votaram no BE que a tarifa social de energia, cuja implementação era urgentíssima, passou agora a ser assunto para o PS apreciar sozinho porque os deputados do Bloco acham mais relevante demonstrar o seu desagrado para com o Presidente da Comissão? E que dizer da incongruência e irresponsabilidade a que chega o PSD que, mesmo depois de ter anunciado publicamente que abandonaria a CE, fez apreciar em plenário uma Resolução sobre a nova unidade fabril da COFACO no Pico, sabendo que, se o PS não tivesse viabilizado a urgência, a iniciativa iria precisamente ser debatida na comissão que o PSD decidiu abandonar?! III. A decisão de propor um determinado deputado para Presidente da CE é, por decorrência direta dos resultados eleitorais de outubro último, da exclusiva competência do PS – como acontece também com o PSD no caso da Comissão de Política Geral. É óbvio que a oposição tem todo o direito de não simpatizar com o deputado que o PS propõe como Presidente da Comissão, de não ter confiança política nele, e até de considerar, exagerada e infundadamente, que ele terá exercido de forma desadequada o seu mandato. Deve expressá-lo politicamente, deve, se entender ser caso disso, propor a sua substituição e censurar politicamente a sua manutenção no cargo, e pode mesmo recorrer a meios judiciais para atestar e dar consequência às suas acusações. Outra coisa diferente, porém, é tentar fazer desta matéria um instrumento de perturbação do normal funcionamento da instituição parlamentar e da estabilidade do nosso sistema político. Não se pode colocar a guerrilha político-partidária acima dos deveres e responsabilidades de representar os açorianos.