Nos últimos dias foi conhecida, por iniciativa do próprio, a queixa do Dr. Pedro Gomes, jurista e advogado da ilha de S. Miguel, dirigida à Provedoria de Justiça sobre a decisão do Governo Regional de determinar o cumprimento de quarentena obrigatória num hotel para todos aqueles que chegam por via aérea do exterior da Região, bem como sobre o facto de, quem não é residente, ser responsável pelo pagamento da referida estadia.
Argumenta o queixoso, em suma, que tal determinação é inconstitucional por impor "um generalizado regime de quarentena a cidadãos pelo simples facto de viajarem para os Açores, ou mesmo entre as ilhas da região, sem qualquer indício ou sintomatologia da COVID-19"; e que é violadora do princípio da igualdade porque impõe que os não residentes nos Açores paguem a sua estadia e o custo da mesma referente a residentes nos Açores seja assumido pelo Governo Regional.
Esses são, quanto a mim, os dois principais argumentos invocados pelo referido jurista e advogado, conforme notícia veiculada pela agência LUSA, na sequência do documento enviado a esta pelo próprio.
A base da apreciação da posição do Dr. Pedro Gomes, bem como de todos aqueles que, a coberto do anonimato o instigaram a fazer esse papel, parte da resposta a uma pergunta muito simples: "Onde é que tem estado, Dr. Pedro Gomes?!"
Não estivéssemos nós a falar de saúde, de saúde pública, de vida e de morte, a "brincadeira" do Dr. Pedro Gomes não passaria disso mesmo: uma brincadeira. De mau gosto, acrescente-se.
Mas como, por detrás do queixoso, movimentam-se forças e interesses que não são de brincadeira, gastemos um pouco de tempo em dissecar os seus pretensos argumentos.
O primeiro argumento do queixoso é reduzido a cinzas com um pouco de trabalho - e, lá está, esforço... -, para, simplesmente, relembrar aquilo que já se sabe sobre a COVID-19. Trata-se de uma doença provocada pelo vírus SARS-CoV-2; Esse vírus é altamente contagioso; uma pessoa que esteja infetada, pode já o ser e não ter ainda carga viral suficiente para deteção, mesmo nos testes mais rigorosos que existem; a transmissão do vírus acontece, por contacto próximo, principalmente através de gotículas que contêm partículas virais que são libertadas pelo nariz ou boca de pessoas infetadas, quando tossem ou espirram, e que podem atingir diretamente a boca, nariz e olhos de quem estiver próximo.
As gotículas podem depositar-se nos objetos ou superfícies que rodeiam a pessoa infetada e, desta forma, infetar outras pessoas quando tocam com as mãos nestes objetos ou superfícies, tocando depois nos seus olhos, nariz ou boca.
Existem também evidências sugerindo que a transmissão pode ocorrer de uma pessoa infetada cerca de dois dias antes de manifestar sintomas; o território continental do nosso País é considerado, pela Organização Mundial de Saúde, como zona de transmissão comunitária ativa, ou seja, o vírus circula na comunidade sem que seja possível identificar a origem de todas as cadeias de transmissão.
Depois deste lembrete, julgo que é evidente a razão pela qual todos os que chegam aos Açores por via aérea do Continente, - único território de onde existem ligações aéreas, as quais são feitas pela TAP -, devem ficar em quarentena de 14 dias, período que corresponde ao período que, com o conhecimento científico à data, corresponde ao período de incubação do vírus.
Onde é que tem estado, Dr. Pedro Gomes?!
O segundo argumento estilhaça-se se, para além da leitura simplista, primária e redutora do princípio da igualdade, o que é algo que exige um pouco mais de esforço..., atentarmos naquilo que se aprende em qualquer curso de Direito: o princípio da igualdade não significa apenas tratar por igual o que é igual. Significa, também, tratar de forma diferente o que é diferente! Ora, é perfeitamente compreensível e aceitável que, quem não é residente nos Açores, ao optar por deslocar-se para a Região, tenha de suportar os custos com a sua estadia, incluindo numa situação em que lhe é determinada uma medida de confinamento por óbvias e evidentes razões de saúde pública. A liberdade dessa pessoa não está, de forma alguma, cerceada. Porquê? Porque sabe de antemão ao que vem, porque é inteiramente livre de não vir e, por último, porque é também inteiramente livre de regressar ao Continente quando quiser.
Face a isto, a medida excecional não é a de imputar os custos da estadia a quem, não sendo residente, se desloca aos Açores. A medida excecional é, exatamente, a de ser o Orçamento dos Açores a assumir os custos nesta situação.
Para além disso, não deixa de ser curioso notar que, enquanto os Açores assumiram o custo da estadia dos não residentes no âmbito da quarentena obrigatória, todas as questões agora levantadas nunca surgiram. É por isso que me parece legítimo concluir que o tempo da apresentação desta queixa diz muito mais sobre as suas reais motivações do que sobre a conformação jurídica, legal ou constitucional da decisão que pretende atacar.
Por último, convém também responder à questão da conformidade constitucional de uma decisão que se alicerce na diferença entre residente e não residente dos seus destinatários. Não faltam exemplos de medidas, algumas, inclusive, que constam de leis, pelas quais é dado um tratamento diferenciado aos cidadãos consoante a sua residência e, em certas situações, o tempo de residência num determinado local. E sobre algumas destas situações, o próprio Tribunal Constitucional português já se pronunciou concluindo pela sua não inconstitucionalidade. Veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 637/99. Ou, embora sejam votos de vencido, as considerações das Juízas Conselheiras Maria Lúcia Amaral e Maria de Fátima Mata-Mouros no âmbito do Acórdão n.º 141/2015.
O cerne da questão, como a entendo, é se essa diferenciação é arbitrária e desprovida de fundamento. No nosso caso, a minha convicção, por tudo aquilo que atrás ficou dito, em especial pelas razões de saúde pública invocadas, é que não é!
O Dr. Pedro Gomes sabe disso tudo?
Acredito que sim!
Por isso, a pergunta não é tanto, por onde tem andado o Dr. Pedro Gomes, mas sim:
"Com quem tem andado, Dr. Pedro Gomes?"