Agosto é o mês, para muitos portugueses, de férias. Este mês será lembrado como parte de um verão que nos assola pelo incómodo da anormalidade, pelo distanciamento que o verão sempre quis negar. Esta anormalidade temporal e de vivências suscita nesta crónica e nas próximas, durante este mês, algumas reflexões da nossa pertença à sociedade em vivência com a pandemia da COVID-19.
(I) Pandemia e os “eus”
Faz amanhã 5 meses que Portugal registou o primeiro caso de COVID-19. No início da pandemia nascia uma esperança de que face à nossa fraqueza, imediatamente refugiada e resguardada por quatro paredes, os nossos “eus” inflamados dariam lugar aos “nós”. Logo nos primeiros momentos do desconfinamento essa esperança esvaiu-se no quotidiano e nas redes sociais o egoísmo e a agressividade aumentaram. Ficou apenas, até hoje, e perante a esmagadora ausência da responsabilidade social, a higienização regular das mãos e a etiqueta respiratória como “aprendizagem”. Somos muitos “eus” e poucos “nós”. Há dias o primeiro-ministro associava os “eus” à dificuldade de emancipar Portugal, “…se as pessoas fossem modestas, humildes e colaborativas, podíamos mudar completamente a nossa história”. E esta pandemia nada alterou. Continuamos muitos “eus” e poucos “nós”. Ficamos fechados em casa, com um slogan atrevido e ofensivo “vamos ficar todos bem”, perante o desconhecimento da evolução da pandemia e da situação de perda de rendimento de milhares de portugueses. E agora saímos de casa, sem slogan, mas com comportamentos, maioritariamente, atrevidos e ofensivos, isto perante a tamanha ofensa aos povos oprimidos, às mulheres sem direitos, na comparação com um estado de isolamento para a saúde do “eus” e claro para a do “nós” - mas mais uma vez, são muitos “eus” e poucos “nós”. Enquanto formos muitos “eus” e pouco “nós” estaremos sempre em regressão social. Enquanto formos muitos “eus” e pouco “nós”, com pandemia ou sem pandemia, a desvinculação à causa cívica será elevada. Enquanto formos muitos “eus” e poucos “nós”, na relação com os idosos que continuam sozinhos e com as crianças dependentes do digital, o fosso geracional aumentará. Enquanto formos muitos “eus” e poucos “nós” nas opções públicas e políticas, o caminho da abstenção se estenderá e a legitimidade democrática se questionará e novos sistemas políticos se afirmarão….Precisamos de mais “nós” e muito, muito, menos, “eu”. Serão necessárias muitas mais pandemias para esse caminho? A história recorda sempre que as pandemias dizimam populações…hoje estamos cobertos pela evolução da ciência, na resposta através da saúde pública, e assim estanca-se a pandemia, salvamo-nos da doença, mas mantemo-nos incapazes de salvar os “nós” para uma melhor sociedade, pela nossa identidade enquanto povo. O Povo Açoriano…