Opinião

Sobre merkozy e mais qualquer coisa

A França encontra-se em plena campanha presidencial, e os resultados eleitorais da primeira volta, que decorreu no passado dia 22 de abril, deixam o futuro do país em suspenso até domingo. No entanto, há que ter em conta que Hollande venceu esta etapa sobre Sarkozy. É possível que no próximo fim-de-semana o Palácio do Eliseu mude de inquilino. A verificar-se esta mudança, haverá inevitavelmente uma alteração no rumo e no papel que França tem tido, ao lado de Merkel, na definição da política económica e financeira da União Europeia nestes últimos tempos. Mais do que uma viragem completa à esquerda, a vitória de Hollande trará consigo a vontade de equilíbrio e de discussão que o povo contesta, muito recentemente, em relação aos sucessivos pacotes de austeridade implementados nos diversos países da Europa. O certo é que as sociedades sob medidas de austeridade reclamam, acima de tudo, tempo de adaptação e soluções que não passem apenas pela implementação das regras de mercado cegas ao social, à história, à cultura, à educação e à providência geral do Estado como entidade colectiva e em prol de todos. O mercado (como entidade decorrente da prática actual e não apenas como conceito) não pode nem deve ser a batuta uníssona do caminho a percorrer, quer europeu quer mundial. Os resultados eleitorais em França revelam não só esta tendência europeia, pós-irlanda-grécia-portugal-itália-espanha, como também nos dão um sinal de alerta do estado social em que nos encontramos. A extrema-direita de Marine Le Pen obteve um resultado considerável e a história mostra-nos que em tempos de crise tende-se ao extremismo do discurso, à demagogia e já se assistiu no passado à subida de partidos radicais à custa da fome e do desespero das pessoas. A recente polémica do Pingo Doce é também sintomática do estado das coisas: as intermináveis filas para pagamento, para entrada, as prateleiras vazias e as reclamações são exemplos visíveis no Youtube e foram tema de variados debates. E do discurso do Primeiro-Ministro vem a esperança de…? Mais austeridade e mais desemprego. Mais sofrimento e mais desespero. São estas as palavras que ressaltam do discurso que assinalou o Dia do Trabalhador em Portugal. E é esta a visão economicista da Europa que pode ver o seu poder absoluto abalado pela saída de Sarkozy. Pode. Uma vez que estou a falar de algo sobre o qual não tenho resultados concretos e pode bem suceder-se que Sarkozy continue como inquilino e companheiro de Merkel. Aí, todas as pessoas que estiveram na Almirante Reis no 1º de Maio terão de esperar mais um pouco porque a mudança ainda tardará mais algum tempo. No entretanto, vamos vendo a continuidade da política de austeridade sem que nos apresentem uma solução viável e diplomática para este estado de coisas. Ao ouvir Passos Coelho afirmar que os juros da dívida em 2013 serão superiores ao que será consumido na educação, na saúde e na segurança social, é impossível não se pensar na frieza com que se desmerecem conceitos basilares da criação da nossa própria sociedade. Ao nível europeu, reflectido também no português, não há a capacidade de repensar o modelo e a justiça sobre as populações e que tipo de Europa queremos para o futuro. De forma alguma. Há o mero assumir da inevitabilidade. São várias as vozes discordantes desta política europeia de austeridade merkozy, algumas delas dentro da cor política da própria direita. O problema não são os gastos de Portugal. O problema é o modelo que à Alemanha dá jeito e a incapacidade de ajuste da Europa. É esta visão economicista e fria que permite a redução da emissão da RTP-Açores sem qualquer solução à vista que não apenas o corte de despesas cego, e que custou o emprego a muitas pessoas sem análise individual. Ouvir Miguel Relvas – o tal que depois nos veio tão eloquentemente explicar que a CGD e a TAP são adaptações e não excepções – reduzir a existência da RTP/A e RTP/M a um projecto que já deu o que tinha a dar é ouvir uma direita que não vê mais que o lucro imediato do curto investimento. Agora, e só agora, tem a candidata do PSD/A a voz de opinar sobre a injustiça da decisão do Governo da República e da falta de sensibilidade para o serviço público prestado pela televisão açoriana. Só agora é que o PSD/A declara oficialmente que discorda da decisão de Miguel Relvas. Mas então esperavam que mudasse de ideias até lá? Já o Partido Socialista havia mostrado a sua discordância; vozes discordantes dentro do PSD/A haviam discordado também; tinha o Partido Socialista requerido a audição dos directores dos centros regionais neste processo e o PSD recusou o requerimento na Assembleia da República; e agora Berta Cabral acorda para o caso e afirma que discorda. Bom, nestes casos não se aplique o mais vale tarde que nunca. Mais vale nunca, se incapaz de o dizer na hora certa. Bom, e discorda como? Para a candidata do PSD/A a região “não pode ficar” sem a RTP/Açores enquanto serviço público e admite “todos os cenários” para o garantir em caso da privatização da RTP/A. “Todos os cenários”? Pode ser mais específica? Admitir “todos” é admitir qualquer um. Seja o que for, que ainda não se sabe bem o que é. É esta incapacidade de definir um futuro e um projecto (europeu, português, regional) que aflige a esquerda, não é o medo de assumir o passado.