Opinião

O Xarope laranja

Estamos a poucos meses das eleições legislativas nacionais e o debate, promovido pelo Governo de Passos Coelho e Paulo Portas, a pouco mais se resume à discussão demagógica e simplista da acusação de quem é “irresponsável como o Syrisa da Grécia” ou de quem está disposto a “deitar a perder tudo o que passamos”. Sim! O apelo é básico e tem barbas! Remete-nos a uma cultura, intrinsecamente marcada no nosso povo, de uma insegurança financeira permanente, de medo do caos político e de alguma índole revolucionária da I República, proveniente de 40 anos de um discurso miserabilista e do temor reverencial propalado por um professor de finanças que triunfou assegurando a estabilidade política e financeira do Estado em detrimento da liberdade de escolha e do desenvolvimento económico e pessoal. Apela-se à raiz do sentimento de sobrevivência do cidadão como se fosse uma esponja que apaga tudo o que aconteceu nos últimos quatro anos. “Parece que o pior já passou”, dizem! “Os sacrifícios já deram os resultados”, afirmam com regozijo! De pouco interessa se pelo caminho Passos Coelho mentiu em período eleitoral em seu benefício sobre cortes de salários e pensões, e sobre subida de impostos. De pouco importa que 320 mil empregos tenham sido destruídos entretanto, existam 720 mil desempregados, que a precariedade se tenha instalado indefinidamente e que quase meio milhão de pessoas tenha emigrado. De pouco toca a este Governo que a classe média tenha sido “esfrangalhada “e “asfixiada” nos rendimentos, no custo das rendas, no corte das pensões ou na brutalidade fiscal. Ser da classe média em Portugal é carregar na testa ou nos bolsos um alvo para um “bulling financeiro” do Primeiro-ministro ou da Ministra das Finanças É um pecado para a memória lembrar que “tínhamos que empobrecer e viver de acordo com as nossas possibilidades” e que, para isso, colocamos em risco de pobreza 19,5% da população - um em cada cinco, mais de dois milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza – das quais mais de 470 mil crianças. Andamos para trás 10 anos na pobreza! Mas aumentamos os ricos! De pouco importa que não tenha sido feito a reforma do Estado e que a incompetência grasse no Governo! Afinal interessava era diminuir a Administração Pública e não aumentar a sua capacidade para servir as pessoas com eficiência. Com a fuga de quadros qualificados e com o subfinanciamento, a burocracia aumentou, a educação retrocedeu na capacidade de produzir conhecimento e a saúde colapsou. Hoje, percebe-se que se conseguiu o inverso do pretendido, - andamos para trás quatro anos - é um martírio e um longo calvário para qualquer empresa e cidadão recorrer aos serviços do Estado. De pouco interessa o que foi feito ao país e o que foi destruído! Caímos, mas hoje, com menos meio milhão de portugueses em Portugal e com 300 mil pessoas que há mais de dois anos não encontram trabalho, já crescemos algumas décimas e conseguimos ir buscar mais dívida aos mercados a preços acessíveis… Afinal…Como diz Pedro Passos Coelho: “O objetivo que temos é o de vencer a doença, não é o de perguntar se as pessoas durante esse processo têm febre ou têm dor ou se gostam do sabor do xarope ou se o medicamento que tomam lhes faz um bocado mal ao estômago ou qualquer outra coisa, quer dizer, se os efeitos secundários de todo o processo por que se passa valem ou não valem a cura”. Pode ser que quando houver eleições o povo lhe diga que se gostou ou não do sabor do xarope que lhe foi servido.