Opinião

Polifonia política

No quadro da técnica musical da polifonia a fuga e a invenção constituem dois géneros musicais. O ambiente político que se vive em Portugal está carregado destas ideias que mais não são do que um ponto de vista, ou seja, a vista sobre um ponto. Os Açores continuarão a trilhar a sua marcha autonómica, necessariamente vigilante perante novos quadros governativos nacionais. Sempre foi assim e continuará a sê-lo. Entretanto, assistiremos às lógicas do poder e do perder que são sempre tortas nas explicações e lineares na sua compreensão. Curioso é, no entanto, verificar que, nesta polifonia política, as prioridades estão descompassadas. Nas legislativas foi o tempo das presidenciais, hoje, a maioria focaliza-se ainda nas legislativas! Quanto às presidenciais, Marcelo, no seu começo, teve postura de “astrólogo político semanal”, com o tempo passou a comunicador persuasivo. A questão da maioria de esquerda pode em janeiro esvaziar-se com uma vitória dessa candidatura de direita. Esta questão não foi devidamente ponderada e nos próximos anos poderá sair cara a toda a esquerda. O PS poderá ser o maior prejudicado. Ninguém acredita que a esfinge cavaquista se desvaneça em Marcelo, como próximo inquilino de Belém. Na(s) hora(s) H, sendo Marcelo, cedo mostrará o seu pendor matricial. Se Cavaco enveredar por decisões que façam resvalar qualquer cenário-crise para depois do próximo mês janeiro, uma Presidência da República de direita, estará sempre “tentada” a aconchegar-se nos princípios da sua família original. A “espuma eufórica” da maioria de esquerda pode esfumar-se, mais por não ter assegurado uma candidatura presidencial, do que por querer garantir o poder presente e impedir, deste modo, que uns aumentos de pensões e umas “graças” aos funcionários públicos, impliquem, a curto prazo, um cenário de maioria absoluta da direita. Para os Açores, o rumo é claro, se a distância/centralismo bastas vezes nos prejudicam, também nos permitem continuar a ter o distanciamento necessário para organizar a melhor estratégia de defesa intransigente da nossa autonomia. Com a grande cultura musical que atravessa todos os açorianos, expressa na qualidade e quantidade das mais de 100 filarmónicas açorianas, estamos habituados às polifonias. Afinal, esta é mais uma polifonia política que, sem fugas nem invenções, saberemos harmonizar com os nossos interesses específicos e inalienáveis.