O Presidente da República respeitou, no meu entendimento, os resultados das eleições legislativas ao indigitar o líder do partido mais votado para formar governo.
Por outro lado, na mesma comunicação ao país, faz duas coisas que me parecem inconciliáveis: diz que dá a última palavra aos deputados e, ao mesmo tempo, recusa qualquer governo apoiado pelo BE e pelo PCP.
Dar a palavra aos deputados não é isto. Não é só uma figura de estilo. É a democracia a funcionar na sua máxima plenitude.
Num regime como o nosso, o Presidente da República tem alguns poderes, mas não pode, nem deve, ignorar o poder da Assembleia que é o reflexo mais fidedigno da vontade do povo. O povo, o tal que mais ordena, votou nos seus representantes e esses têm, na Assembleia da República, a obrigação de os representar, quer na recusa de prolongar por mais tempo o que se passou nestes últimos quatro anos, quer na construção de uma alternativa em que devolva a esperança aos Portugueses.
Por isso, quando o Presidente diz que a última palavra cabe aos deputados não pode construir, ao mesmo tempo, um muro para dividir a esquerda, separando os eurocéticos dos restantes. Será que não se lembra do período eurocético do CDS e do seu líder? Não foi assim há muito tempo e não lhe causa qualquer prurido, pelo menos que se saiba…
Sabemos que há quem queira que estas coisas sejam feitas com base na tradição. Aliás esta palavra foi uma das mais utilizadas na passada sexta-feira, dia da instalação da Assembleia da República, pelos dois partidos da coligação.
Os Portugueses também estavam habituados, tradicionalmente, a receber o subsídio de férias e o subsídio de natal. Estavam habituados, também tradicionalmente, a respeitar os feriados nacionais, onde se incluíam o 5 de outubro, o 1 de novembro, o 1 de dezembro e o dia de Todos os Santos. Os pensionistas davam como certa a tradição de não lhe mexerem nas pensões.
Conclusão, as tradições já não são o que eram. Se o governo cair, deem a palavra, a última, ao Parlamento e deixem a democracia funcionar.