Soubemos recentemente que Cavaco Silva não mudaria uma única linha à sua declaração de indigitação. Acha que esteve bem. Eu também acho que esteve bem em nomear Passos Coelho, aliás, como já aqui defendi, era mesmo a única possibilidade que tinha. Não se tratou, portanto, duma mera formalidade. Mas o Presidente da República espalhou-se completamente no resto do discurso. Revelou que é mais sectário, faccioso e antidemocrata do que eu própria pensava. Chocou-me assistir, passados 40 anos de democracia, a um discurso que renega os que lhe desagradam. Que classifica os partidos nos de primeira e nos de segunda, que defende haver partidos habilitados a governar e outros que nunca estarão em condições de o fazer. Colocou dum lado os bons, do outro os maus, e traçou uma linha dura, ameaçando com o espantalho dos mercados, e com a vigilante Europa, atenta aos desmandos da democracia portuguesa. Insidiosamente tentou minar os partidos, operar cisões, desrespeitando pelo meio a democracia. Cavaco extravasou amplamente as suas funções, e faltou-lhe o necessário bom senso quando deu indicações do que seria melhor que fosse feito pelo parlamento. Num inaceitável exercício dogmático, feito de polícias e de ladrões, ergueu uma dicotomia inaceitável entre os que aceita que governem e aqueles a quem não reconhece este direito. Conseguiu acirrar os ânimos e provocar exatamente o oposto do que pretendia. Se mantiver o que disse no discurso não aceitará um governo de esquerda, a forma que utilizará para o fazer é que é a incógnita, ou então engolirá um sapo monumental. Quando, como prevejo, tiver de dar posse ao responsável pelo segundo partido mais votado, independentemente de apreciar ou não os partidos com quem este tiver acordo. Do seu discurso resultou claro que não o quereria fazer, mas o curso da realidade parece encaminhar-se rapidamente para este desfecho.