I. Enquanto nos continuamos a entreter com governos que provavelmente não passam do próximo Inverno, os ditos mercados não param, contorcem-se, evoluem e continuam a ganhar dinheiro com o dinheiro que fazem os outros pedirem emprestado.
Nos últimos tempos, ao mesmo tempo que tomava posse o Governo a termo certo da Coligação, ficamos a saber que o FMI só volta a emprestar dinheiro à Grécia se os países da zona Euro se comprometerem a reestruturar formalmente a dívida grega, com detalhe e especificidade. Também soubemos que o economista canadiano Peter Boone publicou, em 2010, uma série de artigos anunciando o colapso da dívida pública portuguesa para ajudar a provoca-la e, com isso, lucrar, através do hedge fund de que era administrador, quase um milhão de dólares.
Os mercados são a vitória da naturalização da linguagem e da lógica económicas sobre a política. São a antítese do princípio democrático da escolha.
II. Não foi sempre assim, nem tem de ser assim.
O sociólogo alemão, especialista em temas económicos, Wolfgang Streecké um dos autores mais interessantes entre os que hoje se dedicam a pensar criticamente a crise económico-financeira que afeta a Europa, partindo de uma constatação muito simples e terrivelmente aguda: Democracia é escolha. Quando a escolha dos cidadãos relativamente aos governos não tem consequências ao nível das políticas (particularmente económica e financeira) a implementar, então é a própria ideia de Democracia que está em cheque.
Segundo Streeck, em Politics in the Age ofAusterity, de 2013, obra de que é coautor com ArminSchäfer, independentemente do Governo escolhido, haverá um permanente regime de austeridade que é imposto por entidades supranacionais que não têm, elas próprias, uma génese e um funcionamento democráticos. A atual crise económico-financeira e o colapso das finanças públicas de vários estados europeus é, assim, uma manifestação da “evolução inerentemente conflitual” do capitalismo democrático, dividido entre ser capitalismo e ser democrático.
A política económica daqui resultante é, a cada momento, função da tensão entre dois princípios de alocação de recursos: o económico (capitalista), segundo o qual todos são recompensados de acordo com o respetivo contributo e não com base em necessidades convertidas em direitos; e o político (democrático), para o qual as necessidades sociais certificadas pelas escolhas coletivas em democracia exercem primazia. O que acontece nos dias de hoje é que o equilíbrio entre estas duas forças deixou de ser possível – “um Governo que não consiga atender aos apelos democráticos de proteção e redistribuição arrisca-se a perder a sua maioria, enquanto os governos que menosprezem as exigências de compensação dos detentores dos recursos produtivos causam disfunções económicas e distorções que se tornarão crescentemente instáveis e minarão, por isso, o seu apoio político”.
III. Nas democracias europeias da atualidade venceu o primado económico, que naturalizou o seu discurso e se transformou naquilo que a realidade tem de ser, vencendo as noções não liberais de justiça. Como escreve Streeck, os estados democráticos vivem hoje “o drama de estarem transformados em agências de cobrança de dívida em nome da oligarquia global de investidores” que, essa sim, detém poder e manda nos destinos dos vários países.
E o mundo continua a girar assim, enquanto o Ministro precário da Administração Interna fala em “fúrias demoníacas” e o dos Assuntos Parlamentares diz coisas extraordinárias como “as coisas são como são e sendo como são, e o líder do PS, ninguém põem em causa a sua legitimidade, é o doutor António Costa”.
Eu – chamem-lhe teimosia… - acho que estamos perigosamente a ajudar a derrotar a política.