Opinião

Os esquecidos de Deus

Por momentos pensei que Deus havia abandonado, definitivamente, os portugueses. Uma atenuante. Nenhum ministro, por mais relâmpago que seja a sua passagem pelo governo, merece apelidar-se Calvão da Silva. À primeira vista parece gozo. “Como se chama?”,“Calvão da Silva…” Silêncio desconfiado. E nenhum português merece ter de ouvir o desconchavo das recentes intervenções públicas do novel ministro da administração interna. Na passada segunda-feira visitou Boliqueime para averiguar os estragos e falou com pessoas. Foi um erro clamoroso. As suas declarações chegam bem para um compêndio de anedotas. O homem condensa em si os dotes de um verdadeiro evangelizador com o pragmatismo de um vendedor de seguros. Os felizardos, que tiveram a oportunidade de ouvir, por seu intermédio, a palavra do Senhor, jamais o esquecerão. Disse-lhes então que ”Deus nem sempre é amigo”, falou da “fúria demoníaca” da força da natureza, e explicou que “embora os ingleses digam que é um ato de Deus, um ‘act of God’, nós temos que traduzir de outra maneira”, seja lá o que isso for. E acrescentou, para quem não soubesse, que “esta gente precisa de ajuda imediata”. Donde se conclui que Passos Coelho rapou bem o fundo do tacho para encontrar quem quisesse ser ministro nas atuais circunstâncias, mas, talvez por isso, deveria ter havido um especial cuidado. De não dar uma pasta ministerial, por mais insignificante que fosse, à figura cujo parecer atestou a idoneidade de Ricardo Salgado para continuar à frente do BES, depois de embolsados os 14 milhões por um conselho “a título pessoal”. Sabe Deus a via-sacra que Passos Coelho teve que percorrer na constituição deste governo. Este ministro tem, pelo menos, o mérito de nos pôr a rir, mas para isso temos o Ricardo Araújo Pereira que pelo menos não nos embaraça enquanto nos diverte. Que Deus nos ajude, entretanto, se não for pedir-lhe demais.