Realizou-se a 10 e 11 de novembro as IV Jornadas Açorianas de Direito, sobre o tema “Movimentos Atuais de Criminalização e de Descriminalização”, organizado por eminentes juristas e pela Associação Sindical dos Juízes Português.
Dos diferentes painéis com extrema importância para toda a sociedade, destaco a temática associada à tutela penal da liberdade sexual: a influência das crenças sobre a sexualidade no legislador e no Juiz, pela penalista Inês Ferreira Leite.
Denoto, os exemplos aludidos: imagine-se uma mulher ou homem que opta por uma indumentária que possa suscitar observações, ou uma mulher ou homem que opta por utilizar uma bandeira de um partido e “atreve-se” a entrar no comício de outro partido.
Nestes dois casos, há quem, levianamente, julgue que ambas estão sujeitas a atos recriminatórios.
No segundo exemplo há uma explícita manifestação de posição, neste caso partidária. No primeiro caso não há nenhuma explicitação, apenas há o seu direito à escolha de vestuário e essa condição não deve expor ninguém a insultos.
A lei nº 83/2015 de 5 de agosto que “autonomizando o crime de mutilação genital feminina, criando os crimes de perseguição e casamento forçado e alterando os crimes de violação, coação sexual e importunação sexual, em cumprimento do disposto na Convenção de Istambul, foi uma importante clarificação no plano penal.
As condutas que configuram atos de assédio ou de opressão sexista e que sejam afirmativos, e incluam teor sexual, implicando fazer qualquer coisa sexualmente, estes sim encontram acolhimento na Lei nº 83/2015 .
Até à Lei 83/2015, as mulheres foram alvo de afrontamentos baseados em crenças pelo poder judicial. Inês Ferreira Leite relembrou diferentes exemplos de jurisprudência tentadores da liberdade sexual e autodeterminação.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-99: “Contribui para a realização de um crime violação a ofendida, rapariga nova mas mulher feita que: a) Sendo estrangeira, não hesita em vir para a estrada pedir boleia a quem passa”
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-01-1996: “No crime de violação, provado que a ofendida já tinha, então, 14 anos de idade , já antes tinha tido várias vezes relações sexuais com outro homem (…) não parece que uma simples bofetada constitua ato idóneo para convencer uma mulher que já não era inexperiente a manter relações contra a sua vontade”.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-04-2011: “ A recusa meramente verbal ou ausência de vontade, de ausência ou de consentimento da ofendida, são, por si só, insuficiente para se julgar verificado o crime de violação”
A uma mulher que é roubada, num local esconso, não lhe foi (nem é) perguntado porque estava naquele local.
A uma mulher que é violada, num local esconso, a análise foi, pelas jurisprudências aludidas, que até estava a “pedi-las”.
Ao longo de anos, entre a resposta societal e a dignidade da mulher, a decisão, implícita ou explícita, foi a de desresponsabilizar a sociedade focando nas opções da mulher, num determinado momento ou espaço. A criminalização foi a resposta à incapaz reflexão social por parte da sociedade ao longo dos anos.
A lei veio enterrar as crenças e conferir clareza e o respeito aos cidadãos naquela que é a sua autodeterminação e liberdade sexual.