Intensifica-se a reflexão sobre a melhor forma de servir os agricultores e os cidadãos europeus no que diz respeito à regulação dos mercados agrícolas, incluindo do setor do leite. Neste sentido, ainda esta semana, foi apresentado um estudo financiado pelo Ministério francês da Agricultura, que, entre outras, aponta como essencial a adoção de medidas para limitar a produção leiteira como forma de prevenção de crises futuras. A ideia passa por desenvolver medidas que produzam um efeito equivalente ao das quotas leiteiras. O termo “quotas” é tabu junto da Comissão Europeia que se manifestou completamente contra a sua manutenção e, por maioria de razão, também não quer ouvir falar no seu regresso. Justifica-se afirmando que mecanismos do género espartilham o crescimento do setor e impedem o aproveitamento de oportunidades no mercado internacional. O certo é que o desejado crescimento não ocorrerá sem custos: maior concentração da produção e maior instabilidade em resultado da exposição ao mercado global. A recente crise do leite demonstrou precisamente isto. É preciso fazer escolhas.
O mesmo estudo refere o exemplo do Canadá, onde as quotas leiteiras terão permitido preservar um modelo de exploração de tipo pequeno e médio, à custa precisamente de um sistema que está alheado do sistema internacional. Refere ainda o exemplo Suíço, onde as quotas foram abolidas em 2009, mas que conta com um valor médio de ajudas diretas por hectare de 2500 euros. Na União Europeia, a ajuda média por hectare, em 2013, foi de cerca de 290 euros.
Esta reflexão demorou a chegar. A Comissão tem, no que ao dossiê do leite respeita, reagido sempre tarde. Será certamente uma escolha política. Recordemos que foi necessário chegar ao “fundo”, com situações em que muitos produtores deixaram de ser capazes de fazer face às despesas correntes e de, simultaneamente, se ter verificado um agravamento da situação a nível internacional, com alertas das instituições nacionais e regionais, do Conselho de Ministros e do Parlamento Europeu e dos agricultores que saíram à rua pedindo a cabeça do Comissário Agrícola, para que fosse possível assistir à reação do executivo europeu.
Em Setembro de 2015, foram, finalmente, apresentadas medidas. Revelaram-se pouco adequadas para conduzir a uma melhoria dos preços, sendo que era esta a prioridade. Numa segunda fase, já em Julho deste ano, o pacote foi reforçado com um incentivo financeiro à redução da produção, destinado a restringir o excesso de oferta de leite, na expectativa de que tal permitisse uma evolução positiva dos preços. Os dados disponíveis apontam para uma pequena melhoria dos preços, insuficiente para compensar mais de dois anos de abaixamento, mas não deixa de ser um sinal positivo.
É desolador ter que recorrer ao orçamento europeu para pagar aos produtores, e mal, para que deixem de produzir, quando, no passado, dispúnhamos de um mecanismo gratuito altamente eficaz para o controlo da produção, as quotas leiteiras. Há que dizer, porém, que estas, por si só, dificilmente são solução para o novo contexto dos mercados em que a variação de preços é inevitável.
O setor leiteiro açoriano está bem apetrechado para uma exposição ao mercado. Os nossos produtos diferenciam-se pela qualidade, o que permite um melhor posicionamento relativamente à concorrência e melhores remunerações. Apesar disso, não vivemos alheados das escolhas europeias relativamente ao setor. É, por isso, importante mantermos uma agenda intensa em defesa dos interesses do setor do leite açoriano em Bruxelas.
A máxima dominante do crescimento, que soa bem e é bem-vindo, mas que é cega relativamente às desigualdades que provoca deixa-me, enquanto europeísta convicto, perplexo. É que uma Europa desigual dificilmente será uma Europa coesa.