Opinião

O político e o cívico

I. Este é daqueles artigos que tem tudo para dar errado, mas eu, não tendo assim tantas virtudes, tenho pelo menos a de não deixar de dizer o que penso quando estou convencido dos méritos da minha posição. E, neste enquadramento, eu penso que há um problema de base no debate sobre o afastamento das pessoas em relação à atividade política e a participação da sociedade civil. Parte-se do princípio – simplista e maniqueísta – de que tudo o que só envolve políticos e partidos é desaconselhável (um eufemismo por dia ajuda a reduzir os níveis de stress), enquanto tudo o que constitui preocupação de, pelo menos, um grupo não partidarizado é necessariamente desejável. Assim, de cada vez que os agentes políticos debatem entre si um novo quadro legislativo estão a fazer política à moda antiga, daquela que não interessa a ninguém e que descredibiliza a democracia. Em contrapartida, de cada vez que uma voz não alinhada partidariamente grita “Isto é um escândalo!”, a democracia pula e exulta, renova-se, renasce, sai das trevas a que votaram os políticos e assume toda a sua pureza original. II. Eu conheço e respeito orgânica e integralmente o princípio da representação democrática. Eu sei que sou deputado mas não sou detentor do poder. Represento os detentores originais da soberania, que são os cidadãos, a quem, em contrapartida, tenho de prestar contas. Eu sei, e tenho muita honra nisso, que sirvo o interesse geral e que tenho por obrigação manter com os meus representados uma relação de proximidade, disponibilidade e responsabilidade. Como tal, valorizo e procuro fomentar um relacionamento de abertura, participação e envolvimento das pessoas no processo político. Neste contexto, é de extrema importância que se possam consensualizar decisões, justificar e fundamentar opções e, sempre que isso for necessário ou requerido, suspender ou alterar medidas. Revejo-me, como tal, em instrumentos legislativos como a petição ou a iniciativa legislativa cidadã, bem como noutros que futuramente se poderão vir a implementar na Região. Mas isso não é o mesmo que considerar que qualquer petição, qualquer iniciativa cidadã ou qualquer movimento cívico, só porque não é político-partidário, tem razão. III. Desde logo, porque a sociedade civil não é desinteressada, nem homogénea. Em boa verdade, é um conceito de conveniência para amalgamar, por defeito, tudo o que não é institucionalmente político. Abarca, pois, fações desiguais, interesses mais ou menos estruturais e mais ou menos evidentes, e mesmo forças tão ou mais poderosas do que o sistema político. Dizer-se, candidamente, que a sociedade civil se ergue contra o sistema político pode significar uma multitude de coisas, muitas das quais são tudo menos desejáveis em democracia – como o sistema financeiro tem provado à vista desarmada nos últimos anos. Depois, temos a diferença entre o debate democrático e o confronto democrático. Uma coisa é apor à decisão política a vontade cívica de a debater e, porventura, a reverter. Outra bem diferente, é erguer uma barreira cívica a uma decisão política que nem se faz questão de debater. Tentando explicar de outra forma. Se eu tenho dúvidas sobre ou até não concordo com uma determinada medida ou decisão política, tenho toda a legitimidade para organizar e mobilizar uma resposta da sociedade civil, na procura de um alargado processo de reflexão, debate e questionamento. Se, pelo contrário, eu opto por criar um movimento cívico que tem apenas como objetivo evitar a decisão, eu prescindo da essência do processo democrático de formação de opinião. IV. Concluindo: participar cívica e ativamente no debate público sobre o processo de tratamento de resíduos ou numa reflexão alargada sobre a construção de um aquário de grandes dimensões implica estar preparado para não ter razão, admitir conceder e reconhecer legitimidade à opinião contrária. E, sobretudo, estar convencido de que a força da sua posição não está no facto de não se ser político.