I. Muito de errado e leviano se tem dito e escrito sobre o processo que conduziu à recente decisão de se proceder à revisão do Regimento da Assembleia Legislativa. Particularmente no que diz respeito à iniciativa e à posição assumidas pelo Partido Socialista, acusado, primeiro, de querer limitar o debate político e, numa segunda fase, de pretender promover a indolência parlamentar.
Permita-me, pois, caro leitor que explique em discurso direto o que se passou e o que o PS disse ao longo do processo, de modo a que o leitor possa depois formular o seu juízo próprio.
II. No início de uma legislatura abre-se naturalmente um período de reflexão sobre as prioridades de ação de cada partido e sobre os problemas que cada um considera merecedores de atenção. Foi neste contexto que o PS identificou como relevante a necessidade de se conformar o funcionamento do Parlamento às regras oficialmente aprovadas, uma vez que, ao fim de 14 anos de vigência do Regimento existente, o debate parlamentar era regido, em alguns dos seus aspetos mais relevantes, com base em entendimentos e acordos entre partidos, feitos à margem das regras oficiais e, em alguns casos, dando origem a práticas contrárias aos princípios fundamentais do debate parlamentar.
Aliás, e para sermos justos, nem foi o PS o primeiro a falar no assunto publicamente. Por exemplo, no programa “Parlamento”, da RTP/Açores, transmitido há cerca de três meses, o deputado Paulo Estêvão, líder do PPM, afirmou, sem lugar a dúvidas, “É necessário alterar o Regimento (…) Eu acho que a questão do Regimento é fundamental. O Regimento está completamente desatualizado”. E acrescentou: “Foi um Regimento pensado para duas ou três forças políticas, no máximo quatro. É necessário melhorar os mecanismos do debate parlamentar. Há também uma série de incidentes parlamentares que surgem precisamente porque não existiu uma adaptação do Regimento há realidade parlamentar.”
E não foi o único. No mesmo programa, cerca de um mês depois, o então líder parlamentar do PSD, o deputado Soares Marinho, dizia, comentando precisamente as declarações do deputado Paulo Estêvão: “Completamente de acordo”. E acrescentou, em jeito de exemplo, “se nós virmos em relação a outros parlamentos, existe alguma falta de proporcionalidade e falta de capacidade de intervenção da grande maioria dos deputados dos grupos parlamentares maiores”.
III. Em Conferência de Líderes, o PS, de forma responsável e ponderada, transmitiu então a sua intenção aos restantes partidos e fez distribuir uma proposta que mais não era do que a aplicação estrita das regras regimentais existentes. A reação – não de todos, que fique registado – foi de desconfiança e indignação. O PPM, por exemplo, correu para a comunicação social acusando o PS de querer calar a oposição, ao reduzir os tempos de debate.
Falso! A aplicação das regras do Regimento em vigor levaria, em alguns casos, a uma redução do tempo global de debate e, noutros casos (como no das iniciativas conjuntas, por exemplo), a um aumento, sendo que o partido que, em qualquer circunstância, perdia mais tempo de intervenção era o próprio PS. Igualmente falsa era a ideia, subjacente ao discurso do PPM, de que se pretendiam aplicar cortes, quando de facto o que tinha havido, ao longo dos anos, eram acrescentos ao tempo regimentalmente definido.
Ora se não se aceitam as regras existentes e se diz publicamente que se quer adaptar e melhorar essas mesmas regras, a consequência lógica dessa posição só pode ser a da revisão do Regimento. Puro engano! Os mesmos que não queriam cumprir as regras em vigor, também não queriam novas regras. Queriam sim, e afinal, continuar a funcionar à margem das regras.
IV. Nesse contexto, o PS sempre disse que, apesar de se sentir confortável com o Regimento em vigor, não seria nunca obstáculo a um processo de revisão do Regimento e, posto perante a iniciativa do PSD de constituir um grupo de trabalho para o efeito, aceitou-a sem reservas.
Foi então que o PPM, cada vez mais isolado, passou a falar em preguiça parlamentar, como se o facto de (com 800 votos) ter o mesmo tempo de intervenção, em certos casos, que o partido mais votado (com mais de 43 mil votos), resultasse do seu dinamismo e não de um acordo extra-Regimento.
V. Foi o PS que avançou com a reforma da Lei Eleitoral que permitiu que o Parlamento passasse a contar com seis partidos, dando outra expressão política às forças políticas de menor representatividade. Foi o PS, com maioria absoluta, que decidiu que qualquer processo de revisão das regras de debate no Parlamento só se pode concluir com uma maioria de 2/3. Foi o PS que, podendo alterar sozinho as praxes estabelecidas no recato da Conferência de Líderes, aceitou avançar para um processo de revisão em que nada pode decidir sozinho, no respeito pelo seu histórico de defesa do pluralismo e dos direitos democráticos!