Opinião

Ética e contraditório

Depois de ouvirmos tantas vezes uma coisa, principalmente da “boca” de quem supostamente sabe o que está a dizer, assumimos as dúvidas como se de ignorância pura se tratasse; a não ser que as dúvidas continuem a pairar na mente à espera de outra explicação. Daí que alguns termos ditos e reditos pareçam contextualizados, mas como já o disse demagogicamente usados para benefício da defesa de uma tese que se validaria na presunção da ignorância. É a política no seu pior? Não sei, mas aqui lembro-me de uma assunção dita válida para algumas ciências sociais que é a de que metade do que aprendemos é mentira, só que temos dificuldade em saber, às vezes, qual a metade que o é. Por isso da ressonância que algumas palavras originam, vêm-nos a ideia de que estas não fazem parte do contexto da parte verdadeira. Como paradigma deste raciocínio temos recentemente a invocação da ética e do contraditório, como algo super-humano, uma; e de super democrático, o outro. Senão vejamos, confunde-se ética e moral corrente, quando dá jeito; ética e deontologia, quando interessa; ética e justiça quando apetece julgar ou condenar. A ética, conceito alargado a muitas áreas das ações morais exclusivamente fundamentadas na razão, justifica-se invocar quando o bem ou o mal como ação racional, deva ser confrontado. Em deontologia, quando se aceita um cargo ou uma missão, podem existir dilemas éticos; mas sobretudo existe o confronto deontológico entre bem ou o mal que se possa fazer se se violarem as normas deontológicas que regem este exercício. Invariavelmente uma delas chama-se dever de lealdade, que começa e acaba nos limites da nossa consciência ética deste dever. A segunda invocação neste folhetim politiqueiro das últimas semanas em que alguém não é renomeado e outros por razões de perda de confiança, são exonerados, foi a do “ultrademocrático” direito a serem ouvidos em contraditório. Contraditório, direito democrático? ou liberdade de expressão, direito democrático? Aqui está como o trocadilho serve a demagogia. Todos afinal sabemos que o direito ao contraditório, é um direito processual da justiça, um princípio jurídico universal, defensável em qualquer regime, nem que o seja à posteriori em instâncias supranacionais quando não aplicado em regimes ditatoriais ou extremistas. Não estando em causa qualquer processo judicial ou administrativo, mas tão somente audição da tutela para averiguar das razões de um procedimento de governação, não poderia haver invocação do direito ao contraditório a não ser que outro processo de averiguações com arguidos constituídos, fosse solicitado. A oposição coligada não o quis fazer, mas o direito à liberdade de expressão, este sim, princípio democrático conquista do 25 de Abril, só não o foi ainda mais respeitado porque os partidos da oposição só quiserem ouvir um dos intervenientes. Não ouviram outros porque não acharam conveniente para os fins políticos em vista; e usaram este direito de expressão ao limite, na discussão desta matéria quando em debate no Parlamento. É caso para dizermos que faltou a ética e porque não o bom senso nesta exigência do contraditório; ou que a invocação deste suposto direito fazia parte neste contexto da outra metade da ciência política; que é mentira. O bloqueio anunciado e concretizado pelos partidos da oposição ao normal funcionamento da Comissão de Economia, demonstra esta dificuldade em aceitar a democracia representativa, assim como demonstra o contraditório do que defendem, visível na sua vontade de julgarem e aplicarem sanções políticas quando lhes apetece. Fazem um mau serviço ao Parlamento e à autonomia; por isso o Grupo Parlamentar do Partido Socialista vai continuar a garantir o normal funcionamento das Comissões Parlamentares, porque estão em causa os interesses da Região Autónoma dos Açores; porque foi para a defesa destes interesses que foram mandatados.