Creio termos chegado a um ponto em que a demagogia está a assumir um papel dominante na abordagem política e comunicacional de assuntos tão complexos e dinâmicos, como o das questões da análise e enquadramento dos conceitos de igual e desigual nos paradigmas dos comparativos estatísticos.
Mais ainda quando o problema tem necessária análise filosófica, socio-antropológica, económica, cultural, particularizando-se variáveis locais, políticas do estado social, modelos de distribuição e por aí fora e se resumem a análises estatísticas, estas cifras que são indicadores, pouco fiáveis quando médias, percentagens ou projeções de situações ou fatos nos comportamentos e qualidade de vida das populações.
Exemplifique-se: Quando falamos por exemplo da violência doméstica, este problema que nos preocupa a todos, e que pelas percentagens nos posicionam em valores preocupantes; quando comparados ( nem sei se a comparação deva ser feita para qualquer tipo de crimes sob pena de aceitarmos valores de referência; o que me parece absurdo); nunca dizemos que fruto das campanhas de sensibilização para a sua denúncia e do trabalho meritório de instituições e estruturas de apoio às vítimas, estes valores possam divergir das tais medianas, felizmente diria, porque permitiu maior denúncia e mais intervenção neste tipo de crimes que passam muitas vezes ainda, anónimos e silenciados.
Mais uma vez, sem esta ilusão de termos uma sociedade em que o bem se pode dissociar em absoluto do mal, temos mais porque passamos a denunciar mais, ou temos mais porque sim; porque somos desiguais em comportamentos e prática de desrespeito do outro? Com estas estatísticas, ou melhor dizendo com esta casuística, regredimos ou evoluímos em modelo social?
Mais facilmente dizem que não evoluímos. Mas com base em quê? Tínhamos menos, agora temos mais, ou sabíamos menos da sua existência?
Se denunciamos e atuamos em mais casos, é porque a sociedade evoluiu na intolerância e penalização destes comportamentos.
Passemos a outro exemplo estatístico reportado esta semana por Órgãos de Comunicação Social, em que supostamente um responsável pela “Abraço”, justificava a abertura de uma delegação nos Açores com a nossa maior incidência de infeção por VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana), escrevendo-se e cito: os 383 casos de infeção por VIH e uma incidência de 5,3%(?) por cada 100.000 habitantes, e superior em 2% à da RA da Madeira, justificam a abertura de uma delegação da “Abraço” nos Açores, …
Afinal somos desiguais em que números? Se fosse 5,3 por 100.000 habitantes dariam 530 casos (mais do que os 383); se fosse 5.3% por cada 100.000 habitantes dariam 5300 casos; e mais 2% do que na RA da Madeira dariam quantos? É que 2% a menos dos 383 casos que supostamente temos, daria termos 7,7 casos a mais do que o total na RA da Madeira.
Nem uma nem outra forma de apresentação estatística está correta, aliás é enganadora e alarmista; independentemente de se reconhecer ou não a utilidade de uma delegação desta Associação nos Açores.
A comparação destas desigualdades tem destas coisas. Não é de números que vivem as pessoas, mas infelizmente muitos alimentam-se da sua manipulação.