Os resultados eleitorais do passado domingo podem ser rapidamente sintetizados, através da seguinte fórmula: O Partido Socialista, indiscutivelmente, ganhou as eleições, com menos votos e mandatos do que anteriormente, e o Partido Social Democrata, indiscutivelmente, perdeu as eleições, com mais votos e mandatos do que no passado.
Colocando a fórmula em números, o PS obteve 40.701 votos e o PSD 35.091 votos, sendo o diferencial entre os dois partidos de 5.610 votos. Para que se tenha uma imagem desta diferença, o diferencial equivale aproximadamente à população de Santa Maria, que não é, por certo, das ilhas menos povoadas.
Nos dias seguintes ao ato eleitoral tornou-se um mantra das redes socias a expressão: "há que saber ganhar e há que saber perder", no entanto esta ideia simples para que possa ser plenamente aplicada à realidade da democracia deve ser aprimorada, ou seja, em democracia há que saber ganhar por muitos e saber ganhar por poucos, de igual modo, há que saber perder por muitos e saber perder por poucos, o que implica não confundir uma derrota com uma vitória em virtude da sua dimensão.
Num regime parlamentar, o ato eleitoral não se trata de uma "corrida", em que apenas importa saber quem vai à frente. As eleições, prosseguindo com a metáfora desportiva, visam definir a posição de partida de cada um dos corredores, sendo que quanto melhor o resultado eleitoral maior a proximidade à meta. Neste prossuposto, ao contrário do verificado nos atos eleitorais anteriores, em que um dos partidos foi logo colocado, pelos eleitores, além da meta, no passado dia 25 de outubro, nenhum partido, por si só, alcançou esse objetivo, no entanto, em virtude dos resultados eleitorais, uns ficaram melhor colocados do que outros para o alcançar.
Depois do ato eleitoral, e num cenário de maioria relativa, a discussão em torno dos diversos cenários que permitem alcançar a "meta", sai, por completo, do plano puramente matemático, ou seja, não basta somar e subtrair para reclamar vitória, e entra no plano dos valores, que é o campo político de excelência, pelo que de nada servem as somas e subtrações mais obtusas, como por exemplo, juntar todos os votos que não foram no PS para afirmar que 59.439 rejeitaram o projeto socialista. Se aplicarmos a mesma lógica, então: 65.049rejeitaram o PSD, 94.406 rejeitaram o CDS, 94.880 rejeitaram o Chega, e por aí em diante... partindo destas contas de "merceeiro" a única conclusão válida que se pode retirar é que o PS foi o partido menos rejeitado pelos eleitores.
Feitas as contas e arrumadas as calculadoras, importa ter presente que o Partido Socialista além de ser o partido mais votado é o único com capacidade de formar um governo estável sem ficar refém do Chega, um partido que de forma ardilosa coloca como condição de diálogo com o PSD/Açores a fragilização constitucional da Autonomia político-administrativa da Região Autónoma dos Açores, ou seja, a existência de qualquer tipo de diálogo entre o PSD e o Chega, por si só, poderá implicar um perigo real para a nossa Autonomia.
Atente-se ao facto de que André Ventura, que pelos vistos representa o Chega nos Açores, colocou como condição indispensável para qualquer conversa com o PSD, a participação deste partido no processo de revisão constitucional desencadeado pelo Chega na Assembleia da República (Projeto de Revisão Constitucional n.º 3/XIV), o qual, entre o fim da progressividade do IRS e o fim da República, prevê também o fim dos limites materiais de revisão constitucional, ou seja, elimina o artigo 288.º da Constituição, que estatui que as leis de revisão constitucional têm de respeitar, entre outros aspetos, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais, o pluralismo de expressão e organização política, a independência dos tribunais, e, como não poderia deixar de ser a Autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Significa isto, que uma vez expurgada a norma, que estabelece os limites materiais de revisão constitucional, nada impede que numa segunda revisão constitucional seja colocada em causa a nossa Autonomia.
Se para início de conversa o Chega exige que o PSD assuma uma posição que coloca em causa a Autonomia regional, imagine-se o que será exigido no final da conversa para que sejam tomadas decisões efetivas?
Parafraseando o poema de Brecht decalcado de Martin Niemöller, digo-vos: Primeiro levam a Autonomia / e eu importo-me. E você?