Opinião

Resistência antimicrobiana - uma crise a nível mundial

Após um século de progressos alcançados na área da saúde, os agentes antimicrobianos (incluindo os antibióticos, antivirais, antifúngicos e antiprotozoários) constituíram-se como ferramentas fundamentais para combater as doenças nos seres vivos. Contudo, pese embora toda a evolução verificada, estas ferramentas estão a tornar-se ineficazes.
Por todo o mundo os sistemas de saúde confrontam-se com o desafio do aumento da resistência antimicrobiana, dificultando, assim, o tratamento das doenças mais comuns, em resultado do uso indevido e excessivo dos atuais antimicrobianos, acelerando significativamente este problema em países de todos os níveis de rendimentos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), ciente deste problema, já chamou a atenção: "Não há tempo a perder. A menos que o mundo tome urgentemente uma atitude, a resistência antimicrobiana irá ter um impacto desastroso dentro de uma geração".
Estima a OMS que as doenças resistentes aos antimicrobianos já causam, pelo menos, 700 mil mortes por ano em todo o mundo, pelo que, até 2050, aproximadamente 2,4 milhões de pessoas poderão morrer se não se fizer um esforço sustentado para conter essa resistência.
Os danos económicos dessa resistência descontrolada são comparáveis ao choque provocado no setor da saúde durante a crise financeira mundial de 2008-2009, pelo que um pacote de intervenções simples nos países mais desenvolvidos podia pagar-se a si próprio devido a custos que seriam evitáveis.
Em pleno Inverno e com o início da Primavera são recorrentes as idas aos serviços de urgência com sinais e sintomas de infeções respiratórias.
De entre estas deslocações aos serviços de urgência encontram-se, com uma significativa predominância, os casos de crianças e jovens com sinais e sintomas de amigdalite aguda.
A amigdalite aguda é um dos frequentes motivos de ida aos serviços de urgência e de cuidados de saúde primários em idade pediátrica, atingindo nos referidos momentos do ano cerca de 20 a 40% das crianças e jovens entre os 5 e os 15 anos de idade, sendo maioritariamente de etiologia vírica, ou seja, causada por um vírus.
De entre as possíveis causas da amigdalite aguda, apenas o Streptococcus beta-hemolítico do Grupo A tem indicação para a prescrição de um medicamento antibiótico.
Este é responsável por uma baixa percentagem de casos, contudo, a cerca de 80% dos utentes que se apresentam nos serviços de saúde com dores de garganta ao engolir alimentos, bebidas ou até a própria saliva, é-lhes prescrito um medicamento antibiótico, contribuindo-se, assim, para uma incorreta prática clínica e o consequente aumento da resistência antimicrobiana.
Tratando-se de crianças e jovens entre os 5 e os 15 anos de idade, a clínica nem sempre é suficiente para distinguir entre um agente viral ou bacteriano que possa estar na causa da doença, daí que a Direção Geral da Saúde recomende a identificação do agente bacteriano (Streptococcus) para a devida e correta prescrição de um medicamento antibiótico.
É neste contexto que surge como pertinente a utilização de um meio complementar de diagnóstico e terapêutica: o teste de diagnóstico antigénico rápido do Streptococcus.
Este teste é realizado através da colheita de uma amostra da orofaringe (pela boca e não pelo nariz) com uma zaragatoa, detetando o antigénio do Streptococcus de forma não invasiva, específica e custo-eficaz em poucos minutos.
Um projeto piloto realizado em 2017 em Portugal Continental avaliou o impacto do uso destes testes e, considerando o custo do tratamento com medicamentos antibióticos e o custo dos testes, demonstrou uma poupança de 40%, constituindo o investimento 80% do total de poupança, ficando por quantificar a diminuição da probabilidade de surgimento de resistências antimicrobianas com inegáveis benefícios para a saúde pela dificuldade da sua mensuração.
Na Região Autónoma dos Açores também um projeto piloto dinamizado na Unidade de Saúde de Ilha Graciosa demonstrou a mais-valia da implementação do teste de diagnóstico antigénico rápido do Streptococcus.
No atual contexto, em que várias unidades de saúde da Região se veem a braços com uma intensidade inigualável da crise pandémica, obrigadas a reduzir a sua atividade assistencial para responder a esta última, não podendo descurar todas as outras solicitações de resposta à doença que não a COVID-19, faz sentido que se munam dos recursos que possibilitem uma atividade assistencial mais célere e dirigida, à luz da melhor leges artis que atenda ao bem-estar dos utentes.
Neste sentido, é importante que o Governo Regional adquira testes de diagnóstico antigénico rápido do Streptococcus, os disponibilize nos cuidados de saúde primários e serviços de urgência das unidades de saúde da Região e que a Direção Regional da Saúde seja o centro operacional e orientador de uma estratégia, de um plano e de uma intervenção com uma visão de longo prazo com inegáveis e comprovados ganhos em saúde.