Circunstâncias da vida levaram-me, cinquenta anos depois do seu encerramento, a visitar o Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Designado como Colónia Penal de Cabo Verde, Presídio de Cabo Verde e depois como Campo de Trabalho de Chão Bom foi sempre mais conhecido como o Campo da Morte Lenta. E percebe-se bem porque ficou assim conhecido.
Entrar por aqueles portões é ficar imediatamente coberto por uma atmosfera pesada e carregada de história. Parecia que aquelas paredes, aqueles gradeamentos e até o ranger das dobradiças quisessem sussurrar as histórias mais sombrias daquele espaço. Quisessem que soubesse como foi cada minuto de sofrimento de todos aqueles que ali estiveram.
Em cada divisão que entrava e em cada descrição que ia lendo era levado para uma época de opressão e crueldade. Aquelas celas desoladas testemunhavam décadas de abuso e negligência. Elas representavam histórias de sofrimento indescritíveis.
Tentei por momentos colocar-me na posição dos que ali entraram, mas quanto mais percorria, mais percebia que era impossível entender o que realmente sentiram os presos que por ali passaram e sobretudo os que de lá nunca mais saíram.
Aproximar-me, por exemplo, da frigideira, hoje chamada de "cela Holandinha", arrepiei-me. Aliás, arrepia qualquer um, por mais insensível que possa ser. Aquele espaço minúsculo que chegava a albergar vários presos por várias semanas era inacreditável.
Aquela visita marcou-me. Visitar aquele espaço deixou-me uma marca inesquecível. É deveras surpreendente a capacidade de o ser humano ser cruel.
Durante aquela visita só pensava que ainda hoje há portugueses que acham que naquele tempo é que era bom.
Pois, a estes, que possam estar a ouvir esta crónica deixo-vos uma citação do médico daquele campo: “Não estou aqui para curar, mas para assinar certidões de óbitos”.
(Crónica escrita para Rádio)