Muitos portugueses ainda não compreenderam bem o que significa o acordo do Governo de Portugal com a troika - FMI, Comissão Europeia e BCE - para as suas vidas nos próximos 4 anos. Não perceberam, também, se este acordo é bom ou mau ou, então, se é bom para alguns e mau para outros.
As respostas a estas dúvidas são complexas, sendo facilmente alvo das mais simples demagogias. Este acordo, pela sua austeridade, é pior para os portugueses do que o PEC IV, mas, tendo em conta as nossas necessidades presentes de financiamento e de sustentação do sistema bancário, foi negociado de forma brilhante, não sendo tão penalizador quanto é habitual nestes casos de ajuda externa.
Para arranjar um exemplo mais perceptível, imaginemos uma família da classe média com dificuldades em pagar uma dívida ao banco, que se propõe, para não perder a casa, o carro ou a educação dos filhos, cortar em despesas como combustível, electricidade, empregada de limpeza e bens de luxo.
Esta família sabe que, caso estas propostas não fossem aceites pelos credores como credíveis, teria de aceitar um plano de poupança feito por estes, com muito maiores penalidades para todo o agregado, pois estes não estão preocupados com a família mas sim com a sua dívida. Esta família também sabe, pelo exemplo dos seus vizinhos já falidos, que estes planos impostos pelos credores podem implicar, para além do que já estava proposto, outros cortes nas despesas de saúde e de educação dos seus filhos, a venda de um dos carros ou até a troca da casa para uma muito mais pequena.
Se quisermos dar a este exemplo exactamente o mesmo sentido do que aconteceu em Portugal, basta imaginar que o plano de contenção de despesa da família foi aceite pelos credores e que, no acto do acordo, um dos membros do agregado se recusa a assinar, dizendo que o programa era muito austero para a família. Após este momento, os credores, deixando de acreditar na capacidade de pagamento da família, negoceiam com um dos membros um acordo mais austero do que o que inicialmente tinha sido proposto, mas não tão duro quanto o habitual.
Se por um lado fomos penalizados, por estarmos sujeitos aos credores, devemos ter consciência que o resultado final foi um sucesso face ao que é habitual nestes casos.
Em países como a Irlanda ou a Grécia, as medidas da troika significaram um aumento muito maior da carga fiscal, o fim da diferenciação fiscal entre regiões, o despedimento e redução de ordenados de funcionários públicos e privatização de alguns serviços públicos, só para dar alguns exemplos.
Em Portugal, apesar de o acordo ser mais favorável, não nos livramos de alguns aumentos de impostos, nomeadamente a subida do IMI, do imposto sobre o tabaco, imposto automóvel e da passagem de alguns produtos de taxa reduzida de IVA para a taxa intermédia ou máxima. Para além destas subidas, serão introduzidas limitações muito significativas à comparticipação dos seguros de saúde públicos (ADSE entre outros), bem como restrições a benefícios e deduções fiscais em áreas como educação e saúde.
Estas penalizações irão ser aplicadas progressivamente durante próximos 3 anos, obrigando a classe média a um reajuste do seu consumo abrupto e violento.
Nos Açores, contrariamente ao que é dito e face às expectativas negativas de fim da diferenciação fiscal com o continente, como a Comissão Europeia sempre defendeu, conseguimos segurar este princípio, abdicando de 10 pontos percentuais, mas mantendo a diferença nos 20%. Este resultado de negociação permite-nos poupar a aumentos cerca de 98% da população que paga IRS e aumentar apenas o IVA em 1% nos produtos de taxa baixa e intermédia (bens essenciais) e em 2% sobre os produtos vendidos à taxa normal. Na prática, o efeito das medidas específicas para as regiões autónomas praticamente não terá expressão no rendimento das famílias, sendo estas, tal como todas as outras, prejudicadas sim pelas medidas de âmbito nacional.
Face a estas medidas, muitos poderão pensar que os partidos que se concorrem a eleições estão limitados no seu programa eleitoral apenas ao que está no documento da Troika. Não concordo. Tal como a família tinha opção na negociação de escolher entre cortar na educação ou cortar no carro, nós também temos. Para a troika apenas interessa que a capacidade do país em pagar as suas dívidas seja sustentável a longo prazo. Entre privatizar a saúde e tornar o SNS eficiente há genericamente uma consequência orçamental comum de redução, mas também há uma consequência social. Há uma opção a tomar… É para isto que servem estas eleições.