Opinião

Democracia é muito mais que a "Troika"

Finalmente, depois de esperar longas semanas, os portugueses conhecem, em toda a sua profundidade, as medidas negociadas com a “troika” para que seja possível a Portugal reduzir o défice das contas públicas e conseguir financiar-se no exterior com uma taxa de juro razoável. Assim sendo, já não há volta a dar. O próximo governo terá de assumir este plano como sendo as directrizes que o país tem de tomar para que consiga ultrapassar o momento difícil dos próximos anos até encontrar um ritmo de crescimento sustentável da sua economia que permita gerar riqueza e, consequentemente, criar emprego. Sendo isso verdade, é preciso ter atenção que este memorando de entendimento firmado entre o Governo e a “troika” é um documento de cariz puramente técnico, que indica caminhos, metas e quantifica reduções. Não é – nem poderia ser – um documento político a submeter aos portugueses nas legislativas antecipadas de 05 de Junho. Esta função caberá aos partidos políticos que se vão submeter ao sufrágio. Ou seja, as medidas acordadas entre Portugal e a “troika” estão perfeitamente definidas, mas não está a forma como o país as vai adoptar e desenvolver nos próximos anos. É por isso que as próximas eleições assumem uma grande importância, ao contrário do que alguns partidos querem fazer crer na opinião pública. As metas definidas para a redução custos na Saúde, por exemplo, podem ser alcançadas de várias formas, dependendo da sensibilidade social e da ideologia que cada partido. Não será, certamente, da mesma forma que o PS e o PSD olham para esta questão. PS olha para a Saúde como um serviço público ao serviço dos cidadãos, o PSD vê a Saúde como uma despesa pública que pode ser transposta para os privados. O mesmo na Educação. O PS pensa que, nunca como agora, foi tão necessária uma escola pública de qualidade que abranja todos os estratos sociais, o PSD acha que a escola pode ser uma indústria regulada pela lei da oferta e da procura, com alunos de primeira e alunos de segunda, conforme os rendimentos familiares. Estes são dois exemplos bem significativos que mostram como estes dois partidos partem para as medidas que a “troika” negociou com a Portugal. Para o PS, estas medidas são um mal necessário, depois de esgotadas todas as alternativas para o país. Para o PSD, estas medidas são uma oportunidade de arranjar uma desculpa exterior que justifique o que este partido já vinha a defender há muitos meses. Governar com as medidas previstas no memorando de entendimento não é a mesma coisa com um governo do PS ou do PSD. Depois há os outros partidos. O CDS sempre tentou passar pelos pingos da chuva, na tentativa – conseguida, diga-se – de não se comprometer com nada nem ninguém. Como Paulo Portas só quer o poder, aceitaria qualquer acordo. Para o CDS, que andou calado muitas semanas, o chegar ao governo em Portugal é muito mais importante do que como governar Portugal. Depois resta a extrema-esquerda, uma inutilidade política, que saliva cada vez que ouve as palavras FMI e ajuda externa, mas que foi totalmente incapaz de apresentar uma ideia e de sequer se dignar a reunir com a “troika”, nem que fosse para manifestar os seus pontos de vista. Como não existiam câmaras de televisão e microfones nas reuniões entre os partidos e a “troika”, qual a razão que levaria Francisco Louçã ou Jerónimo de Sousa a reunir com quem estava a definir o futuro do país nos próximos anos? Nenhuma, terão pensado estes dois líderes de partidos que preferiram a auto-exclusão de todo e qualquer contributo sério para resolver os problemas nacionais. Afinal, os seus slogans de campanha estão definidos desde 1917. É só repeti-los até à exaustão.