Numa das suas histórias, Vasco Pereira da Costa conta que, estando a decorrer um comício da União Nacional, no Teatro Angrense, os vivas sucediam-se fazendo chegar os ecos à Rua da Esperança. Na ocasião, por ali passou um cidadão angrense, sempre bem tocado pelo vinho-de-cheiro. Espreitou, entrou e resolveu dar um ar da sua graça e da sua veia oposicionista, soltando um grito: - Viva o Manuel de Arriaga!
A assistência embalada com a sequência dos vivas, nem hesitou. O que aconteceu ao pobre cidadão, todos podem imaginar.
Mas esta história vem a propósito do encerramento das comemorações do I Centenário da República, com a inauguração de um espaço onde se evoca a figura de Manuel de Arriaga e os ideais e valores do regime republicano.
O solar onde o primeiro Presidente da República viveu os anos da sua infância foi recuperado de forma exemplar e adaptado com finalidades culturais. A exposição permanente, com vários objectos pessoais de Arriaga, transporta-nos para o período da I República, permitindo ao visitante integrar-se no contexto da época. De forma didáctica e bem concebida, a apresentação dos conteúdos adequa-se a todas as idades, mas os mais jovens terão motivos mais que suficientes para efectuarem uma aprendizagem de forma lúdica.
A cidade da Horta viu o seu património valorizado e os Açores ficaram mais ricos com esta iniciativa do Governo Regional. Com toda a certeza o Solar dos Arriagas passará a ser um dos locais mais frequentados pelos turistas, nacionais e estrangeiros.
Esta homenagem a Manuel de Arriaga foi também uma forma de preitear ideais e valores que permanecem actuais. Os republicanos, herdeiros da trilogia iluminista – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – procuraram implementar esses valores e aprofundar outros, que visam o progresso da humanidade e o bem-estar social. Por isso lutaram por uma consciência ética que fosse para além dos interesses pessoais, pela laicização do Estado, pela lei do divórcio, pela lei da greve, pela redução do horário de trabalho diário e pela fixação dos dias de trabalho semanal, por um aprofundamento do conceito de cidadania e pela solidariedade entre os homens. As condições históricas em que o regime deu os primeiros passos não foram as mais favoráveis, a nível interno e externo, mas os valores permanecem.
Nos tempos que correm, a crise de valores é geralmente aproveitada por sectores extremistas que vêem no uso da força o único meio de impor a ordem e o respeito. Compete a todos aqueles que valorizam a democracia e a liberdade batalhar para que, nas conjunturas de crise como a que vivemos, se afastem os perigos do regresso a regimes ditatoriais. A democracia poderá conter imperfeições e muitos oportunistas no seu seio, mas será, sem dúvida, o regime que permite aos cidadãos exercerem os seus direitos, desde que se mostrem empenhados.
Deste modo, recordar Manuel de Arriaga, um açoriano que muito contribuiu para a consolidação do ideário republicano, é um acto educativo que merece ser realçado. Um homem “profundamente altruísta e magnânimo, de uma grande bondade e honradez”, como escreveu Raul Brandão; um homem que colocou em primeiro plano os interesses nacionais, embora tenha errado, como o próprio reconheceu. Mas ninguém o pode acusar de trair os seus ideais. Por tudo isso, a popularidade de Manuel de Arriaga percorre todo o país, como se pode constatar na toponímia de muitas vilas e cidades.