Muitos se interrogam se os sacrifícios que nos estão a ser pedidos pelo Governo da República poderão evitar que o país entre em colapso financeiro e social.
A solução de austeridade defendida e aplicada, sem dó nem piedade, à classe média portuguesa, parte de um princípio que, infelizmente, ninguém se atreve a contestar: de que os portugueses viveram acima das suas possibilidades durante muitos anos.
Este princípio populista defendido de uma forma quase dogmática pela nossa pseudoelite de direita, tem um efeito perverso sobre a nossa sociedade, de divisão, de colocar parte de uma população a culpar e a ansiar por punição a uma outra parte da população.
Esta afirmação que se generalizou e que se instalou, como se de um sentimento de culpa se tratasse, inclusive em alguns segmentos da esquerda mais moderada, não nos tem permitido, com racionalidade, analisar as causas da nossa situação económica, o estado do nosso modelo de sociedade e a viabilidade do nosso futuro.
Neste momento não é “bem-aceite”, em Portugal, uma discussão séria sobre este assunto, há quase sempre radicalismo, os que estão contra as medidas de austeridade e os que são a favor. Ao invés da moderação, impera o jogo político dos que culpam o Governo anterior e dos que culpam a situação internacional.
Poucos abordam o problema de frente, de uma forma imparcial e séria, sem propósitos eleitoralistas, sem assumir que vivemos em 2008, provavelmente, a maior crise financeira e económica internacional das nossas vidas e que este facto prejudicou fortemente os tecidos económicos dos países com economias mais débeis, obrigando todos os Estados a cometerem o erro de aumentarem de uma forma exponencial a despesa pública, como forma de fomentarem o crescimento económico, sem regularem os mercados financeiros e sem terem em atenção ao consequente aumento das importações de bens, de serviços e de capital.
Não foi dito com clareza por ninguém com responsabilidades, quem é que verdadeiramente viveu acima das suas possibilidades, se o Estado, na sua componente de investimento para fomento do crescimento, se o Estado, na sua componente de fornecimento de serviços e de promoção da igualdade, se o Estado, na gestão das empresas públicas, que prestam serviços essenciais à população, se as instituições financeiras na promoção do crédito fácil, se as empresas ao exagerarem na sua alavancagem ou se as famílias, na sua luta por um nível de vida melhor.
Não se discute, se o problema está na gestão do Estado ou na função que este exerce na sociedade, como promotor da igualdade de oportunidades, do crescimento económico e da solidariedade.
Vivemos o tempo em que os direitos são privilégios, em que a descriminação positiva e a solidariedade do Estado é delito, pertencer à classe média é um estado momentâneo com derivada negativa, ser funcionário público é ser criminoso e ainda por cima, preguiçoso e a caridade é propagandeada, de uma forma que me cria repulsa, como se fosse digno ver infortunados a quem são servidos, com o nosso mais alto patrocínio, restos de comida “deixados” pelos ricos restaurantes da capital.
A receita da austeridade imposta a todo o país, incluído Regiões Autónomas, é para o Governo da República, inquestionável, mesmo que não seja necessária, quando se tratam de direitos, mesmo que nada dê certo, na contenção da despesa pública, na obtenção de receitas, no desemprego, nas falências, na criminalidade e até algumas instituições internacionais dão como certo um segundo resgate financeiro antes do final do ano.
Destroem-se serviços de saúde de referência, sem proveito para os utentes, cortam-se nos direitos às reformas antecipadas, dissimuladamente, aumentando assim os encargos futuros da Segurança Social, violam-se acordos com sindicatos, apenas para conseguir mais uma vitória sobre os direitos de quem trabalha e tornamos a escola pública elitista, desde os 9 anos de idade, para que não haja mistura nem de classes, nem de capacidades.
Em nome de quê aceitamos sem discutir este “novo” país do PSD e do CDS/PP?
Onde está o sucesso da austeridade social, económica e ideológica, que até o FMI agora contesta?