40 Anos passados sobre o 25 de abril de 1974 muitos são aqueles que se questionam sobre se valeu a pena ter feito Revolução dos Cravos? Como se a crise económica e financeira que atravessamos pudesse levantar dúvidas sobre o advento da democracia em Portugal e em particular nos Açores.
Alguns por manifesta ignorância, outros por uma saudosista má-fé tentam comparar os tempos áureos da ditadura com as crises de crescimento da democracia.
Li, outro dia, um destes comentadores económicos, que povoam agora os jornais nacionais, afirmar que “Portugal nunca teve as contas em ordem desde o tempo do Salazar”. Como também, estupefacto, percebi que um jornal diário apresentou uma sondagem que afiançava que os políticos do antigo regime eram mais honestos do que os do “atual regime”. Aliás, é voz corrente ouvir dizer que no tempo da ditadura é que havia “disciplina nas escolas e qualidade no ensino” ou que “hoje, contrariamente ao passado, vivemos acima das nossas possibilidades”.
Algures no fundo da consciência portuguesa ainda residem epítetos do Estado Novo do tipo a "Autoridade e liberdade são dois conceitos incompatíveis... Onde existe uma não pode existir a outra...", que justificam para muitos a austeridade que sofremos como um castigo por todas as liberdades que ousamos vivenciar ou dos prazeres da democracia que atrevemo-nos a usufruir.
Esta ideia errada pode e deve ser contrariada, a bem da democracia e do nosso futuro, apesar da enorme crise que atravessamos.
Hoje, contrariamente a 74, praticamente não temos analfabetos, as crianças todas vão à escola, há escolas e professores para todos, a escolaridade obrigatória atingiu o 12.º ano e a população com ensino superior é 13 vezes maior do que nesse tempo.
Hoje, sem vergonha, podemos assumir que temos um Serviço Universal de Saúde dos melhores e mais democráticos do mundo, apesar de todas as suas ineficiências e dificuldades, ele ainda é universal e acessível.
Hoje, apesar de termos herdado uma estrutura produtiva e financeira estruturalmente corporativa, já são poucas as “amarras” desse tempo, apesar de ainda existirem algumas e, a iniciativa privada tem a liberdade e segurança jurídica para crescer e desenvolver-se de uma forma razoável.
Hoje, a alternativa já não é, inevitavelmente, como no tempo Estado Novo, posta aos portugueses entre ser “pobre mas honesto” ou “rico e gatuno”. Sim, porque convém lembrar que nesse tempo os políticos eram todos corruptos, não porque enchessem as suas algibeiras (muitos o faziam), mas porque todo o regime estava corrompido – na sua legitimidade, na sua ação, nos seus propósitos e nos seus efeitos.
Hoje, é legítimo ousar ambicionar ter uma boa educação, um bom emprego, uma boa casa, família, filhos e uma confortável aposentação. A resposta para estes anseios, apesar da crise, está já mais na mão do individuo do que naquilo que a sociedade nos predestinou. E quando não concordamos com essa predestinação, através do voto ou da legítima revolução social, podemos sempre mandar o Estado mudar essa mesma sociedade.
Hoje, com a crise e com as dificuldades que atravessamos, atrevemo-nos a ter esperança e sonhar por um futuro melhor.
Ousamos poder sonhar…
Algo que a ditadura nunca nos quis deixar fazer.
Basta só isso para justificar o 25 de Abril de 74.