A audição dos órgãos de governo próprio relativamente às questões de competência dos órgãos de soberania que digam respeito à Região prevista no disposto no nº 2 do artigo 229º da Constituição da República Portuguesa e na alínea g) do nº 1 do artigo 7º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores, atribui destarte, aos Açores, a possibilidade de pronúncia sobre matérias de profunda relevância e que neles tenham implicações e consequências diretas ou indiretas. Não obstante a consagração constitucional e estatutária deste princípio, os últimos tempos têm vindo a revelar que, ao invés de o Governo da República o encarar como um direito de atribuição plenamente justificada, prefere assumi-lo apenas como nada mais que uma obrigação. Não atendendo à lógica de que, se aquele está previsto, é para que a audição que é obrigatoriamente feita ultrapasse o mero conceito literal e seja entendido como fonte onde se vá beber também o interesse da Região, põe aquele Governo em risco o respeito pelos demais princípios constitucionais consagrados, tais como (e neste caso em particular) o princípio da gestão partilhada do Mar.
A Região foi recentemente consultada, através deste mecanismo da audição dos órgãos de governo próprio, a respeito de questões relativas ao Mar, mais especificamente sobre a proposta de Lei que estabelece as bases do regime jurídico da revelação e do aproveitamento dos recursos geológicos existentes no território nacional, incluindo os localizados no espaço marítimo nacional. Tendo já sido consultada em fevereiro sobre o projeto de proposta de lei emanado do Conselho de Ministros sobre o mesmo assunto, a Região pronunciou-se, então, contra, tendo apresentado propostas de alteração que foram parcialmente aceites, na proposta de diploma que subiu à Assembleia da República, sendo de novo enviada à Região para parecer. Entre outras previsões (que geram natural e profunda preocupação), foi “esquecida”, na versão que ora se encontra em apreciação no Parlamento nacional, a de que as receitas provenientes dos encargos de exploração cobradas nos respetivos territórios das Regiões Autónomas constituem suas receitas próprias. A prestação daqueles faz-se sempre, de acordo com a proposta de lei, a favor do Estado, de forma direta ou indireta. Não convinha ao Governo da República que esta parte fosse alterada, naturalmente, em prejuízo óbvio do interesse da Região.
No fundo, nada de surpresas. Não tendo também sido acolhida uma proposta de definição do quadro de competências de gestão partilhada entre o Estado e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, no âmbito do exercício de direitos sobre os recursos geológicos localizados nas zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional adjacentes aos arquipélagos dos Açores, numa perspetiva de esclarecimento cabal do mesmo, de atribuições claras e específicas no domínio da distribuição daquelas competências, outra opção não havia do que a oposição unânime que se verificou. Todos os partidos políticos com assento na Assembleia Legislativa Regional reconheceram que, mais uma vez, o princípio da gestão partilhada do Mar não está a ser respeitado e opuseram-se à proposta de lei que se encontra em apreciação na Assembleia da República.
Na defesa do Mar, e consequentemente da nossa Autonomia e dos princípios dela decorrentes, as posições terão que ser, sempre, inequivocamente firmes e inquestionáveis. Verificando-se cada vez mais um quasi-persecutório atentado ao princípio da gestão partilhada do Mar, parecendo óbvio que o Governo da República o encara como um incómodo, importa uma oposição séria àquela que é uma clara tentativa de hipotecar o futuro desse Mar que é tão ou mais nosso, representando o rosto da vivência Açoriana e, por consequência, grande parte do seu futuro.