I. Vou votar em Sampaio da Nóvoa no próximo dia 24, mas não me considero mais do que um apoiante assim-assim do ex-Reitor da Universidade de Lisboa. Passo a explicar.
Em primeiro lugar, voto em Sampaio da Nóvoa para Presidente da República porque não voto em Marcelo Rebelo de Sousa. Neste ou em qualquer outro dos 427 Marcelos a quem ouvi comentar a atualidade política portuguesa no prime-time televisivo da última década. Prefiro claramente desconhecer como se formou o pensamento político de um determinado candidato – se for esse o caso – a votar num candidato cujo pensamento político depende da conveniência conjuntural e da agenda pessoal travestida de interesse nacional a cada momento.
Além disso, num sistema de índole semipresidencial, como é o nosso (e como Cavaco Silva várias vezes demonstrou), o Presidente da República só é verbo-de-encher em períodos de normalidade política, em que as regras e os costumes chegam para acomodar as improbabilidades do quotidiano. Quando a situação se torna tão desusada como aquela em que vivemos desde as Legislativas do passado dia 4 de outubro, a amplitude de ação do Presidente da República passa a depender muito mais de quem ocupa o cargo e os efeitos da sua personalidade tornam-se decisivos para os destinos do país. Marcelo não padece da rigidez de ossatura ideológica de Cavaco. O seu problema é precisamente o oposto: excesso de flexibilidade e uma enorme tendência para se entusiasmar com o jogo político. Tudo características que o favorecem no comentário televisivo, mas que o prejudicariam no exercício dos poderes de regulação próprios do Presidente da República.
II. Voto em Sampaio da Nóvoa também porque não voto em Maria de Belém. Uma coisa teria sido Maria de Belém enquanto candidata de união do Partido Socialista; outra bem diferente é Maria de Belém enquanto candidata de reação de um certo Partido Socialista, sentido com o processo de promoção da candidatura de Sampaio da Nóvoa, íamos nós em plena pré-campanha para as Legislativas.
A candidatura da ex-presidente do PS é uma solução de recurso, procurando aproveitar um certo capital de simpatia e o fator género. De certo modo, é também uma partidarização de uma eleição que os portugueses se habituaram – com ou sem razão – a considerar como apartidária. Não tem a abrangência do movimento que se intui por detrás de Sampaio da Nóvoa, nem a urgência própria da necessidade de ocupar um espaço político não representado. Surgiu para afirmar um determinado entendimento do que deve ser o PS internamente, não para afirmar o PS em termos externos.
III. Voto também em Sampaio da Nóvoa porque ideologicamente não me revejo nos candidatos que estão à sua esquerda – ainda que, concedo, a minha esquerda seja hoje mais à esquerda do que era a minha esquerda, e a esquerda deles seja hoje mais à direita do que era a esquerda deles.
Tenho, aliás, as maiores dúvidas de que, no atual cenário político-partidário, marcado por uma divisão profunda entre dois grandes blocos ideológicos e pela união da direita (um pouco contra vontade, é verdade) em torno de Marcelo, a estratégia da proliferação de candidatos de nicho à esquerda tenha bons resultados. Quando a direita não tem um candidato suficientemente capaz de concentrar o voto, percebe-se que a primeira volta funcione como uma espécie de primárias da esquerda. Mas quando assim não é, a campanha à esquerda tende a servir para marcar diferenças entre os vários candidatos daquele setor do espetro político, deixando o candidato da direita à solta.
IV. Voto em Sampaio da Nóvoa, por fim, porque quero reconhecer no seu prestígio académico e no seu percurso determinado e empenhado em causas sociais o perfil necessário para fazer da Presidência da República uma fonte de esperança e ponderação. Tudo o que ela não foi com Cavaco.