Opinião

Quando o senso comum não é comum

Incontornável o retorno à discussão dos problemas na saúde. As pequenas coisas na saúde não existem, sob pena de desdramatização. Quando se quer falar do sistema há dramatização, porque se fala de doença ou do medo de adoecer e não ser tratado a tempo e horas e preferencialmente bem. Daí que para além dos estudiosos dos sistemas de saúde, os maiores críticos são os que felizmente ainda não precisaram a sério dos seus serviços. Mas o senso comum é de que o Sistema de Saúde é de todos e para todos, que a saúde não tem preço, que não custa nem mais nem menos do que o necessário para que o cidadão tenha acesso tendencialmente gratuito e que por isso os gastos com a saúde são o que são. Nem mais nem menos que o necessário. As doenças da saúde resultam de tudo o que pode acontecer de mal ou não acontecer sequer no sistema quando se gasta mais do que se deve ou se pode; principalmente quando mesmo gastando muito o sistema não responde ao caso específico de algum de nós. O que não é senso comum é assumir-se que a saúde tem um custo, um preço a pagar pela sociedade que não é só monetário, é em contributo para a utilização racional e adequada dos serviços; é em contributo com hábitos de vida saudável; é em contributo preventivo, disponibilizando-se recursos humanos, técnicos e monetários para melhor resposta assistencial a quem precisa; é reduzindo o desperdício em medicamentos e outros serviços. O que não é senso comum é saber-se que todos os sistemas de saúde europeus quer de base Bismarkiana, quer Beveridgiana ou mistos, enfrentam os mesmos desafios de aumento da despesa por aumento dos custos com a saúde e dificuldades em lidarem com a espera para acesso a consulta, exames diagnósticos, terapêuticas específicas e cirurgias. Uma das críticas recorrentes nestes sistemas são as famosas listas de espera cirúrgicas e os tempos de espera para consulta médica. Parece que não param de aumentar apesar dos esforços em reduzi-las. Vários são os fatores condicionantes deste problema. O SNS de Portugal que em 2013 ocupava o 16º lugar na classificação por pontos da EHCI (Euro Health Consumer Index), em 2015 recua para o 20º lugar (sensivelmente a meio da tabela); mesmo assim a seguir à Espanha com menos 4 pontos e à frente da Irlanda que em 2013 ocupava o 14º lugar e que em 2015 recua para 21º. É óbvio que fatores económicos adversos nestes países, inferiram negativamente estes resultados. Também seria senso comum que os programas de recuperação das listas de espera as eliminassem ou reduzissem drasticamente; e que os tempos de espera para consultas de especialidade também diminuíssem. O exemplo da Suécia que já referi num outro artigo é paradigmático. Caiu do 6º para o 11º lugar em 2015, porque por outras pontuações negativas, nomeadamente os tempos de espera para consulta (em 2015 uma criança para ter consulta em Psiquiatria esperava 18 meses), e por apesar de um programa de recuperação de listas de espera para cirurgia de aproximadamente um bilião de euros, somente ter conseguido algum encurtamento destas listas; mesmo assim também não conseguiu encurtar o tempo de resposta para tratamentos de cancro. Tudo isto vem dizer-nos que o senso comum de que é possível só com mais dinheiro resolver o problema, afinal não é comum. O esforço efetuado na RAA para recuperar a espera para cirurgia, teve em 2016 e 2017 um efeito muito positivo, atingindo-se uma produção cirúrgica de mais 25%, com recursos humanos limitados pelas condicionantes da nossa dimensão, podendo-se mesmo assim melhorar ainda mais com o reforço das opões implementadas. Quando na análise destas variáveis ou condicionantes, não houver bom senso, provavelmente não são as doenças da saúde que queremos resolver, mas sim propor soluções baseadas em preconceitos em saúde, que ainda não levaram à resolução das mesmas.