“As artes precisam de públicos e os públicos precisam das artes.”
Esta é uma ideia que ganhou folego e se assumiu como certeza no cenário sombrio e incerto da crise pandémica COVID-19.
Apesar dos projetos adiados e dos espetáculos cancelados, que ameaçavam a sua sustentabilidade e sobrevivência, a cultura e as artes, nas suas mais diversas formas e expressões, souberam reinventar-se e inovar, manter a proximidade com os seus públicos e alimentar a esperança por dias melhores.
Todavia por cá, apesar de todo o discurso político deste Governo, o desinvestimento na cultura e nas artes é cada vez mais uma realidade e, como uma pandemia, ameaça a sustentabilidade e continuidade da atividade de muitos agentes e atores deste setor.
À saída do último encontro de trabalho em que participei, nas Jornadas do Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Ilha de Santa Maria, com as Associações Culturais Escravos da Cadeinha, Maia Folk e Maré de Agosto, por entre cumprimentos finais alguém atirou uma questão acutilante: “Faz-se estudos para tudo e mais alguma coisa, mas porque não avaliam o impacto da cultura na economia da Região e da ilha de Santa Maria?”
Esta questão é tanto mais incisiva porquanto, apesar da sua inquestionável importância para a dinamização cultural, social e económica quer da ilha de Santa Maria quer da Região, estas organizações sofrem paulatinamente de um desinvestimento generalizado e transversal que põe em risco o setor da cultura e das artes nos Açores.
O desinvestimento na cultura nos Açores é visível e mensurável e não mera suspeição aviltada com base em teses de “achismos”.
Um desinvestimento que passa não apenas, no imediato, pelos cortes e atrasos no financiamento aos projetos e iniciativas culturais e artísticas, mas também, a montante, pelas consequências das políticas de transporte que, alheias às necessidades dos açorianos e sem criação de soluções alternativas e equiparáveis, cessaram rotas de transporte marítimo de passageiros e de carga, condicionando a mobilidade e acessibilidades em algumas ilhas do arquipélago, como Santa Maria.
Políticas públicas geradoras de desigualdades e assimetrias que, em contramão, contrariam a urgência de medidas promotoras de coesão e de um desenvolvimento sustentável e harmonioso da nossa Região.
E, se alguns desconhecem quem são e o que fazem estas organizações, seguramente serão raros os açorianos que não ouviram falar ou que não participaram em festivais como o Santa Maria Blues, o Maia Folk ou a Maré de Agosto. Festivais que pela qualidade da sua programação e organização, nas últimas décadas, atraíram consecutivamente a Santa Maria gerações de amantes de música de todo o arquipélago e dos quatro cantos do mundo.
E se faltam estudos sobre o impacto da cultura na Região, tomemos como referência os dados recentes do Relatório “A contribuição da cultura para o desenvolvimento económico na Ibero-América” que abrange, também, Portugal e cujos resultados contrariam a ideia de que a cultura só dá despesa e mostram que vale a pena investir neste setor e na economia da cultura.
De facto, para lá de todo o impacto social, a cultura e as artes contribuem de forma significativa para o PIB nacional, tendo em 2018, o setor cultural e criativo português gerado 5,3 mil milhões de euros, o que corresponde a 3,6% de toda a riqueza gerada no país.
Valorizar e investir na cultura e nas artes, de Santa Maria ao Corvo, é igualmente contribuir para o desenvolvimento económico, sustentável e harmonioso dos Açores.