Opinião

Uma sentença à nascença!

Já muito se disse, já muito se escreveu, sobre a aprovação na Assembleia Regional da proposta do Chega para empurrar, para o fim das listas de espera das creches, as crianças com pais desempregados. Não bastasse o doloroso que foi assistir a um debate alicerçado numa insensibilidade social atroz, ainda vimos a proposta ser aprovada com os votos do PSD, do CDS e do PPM.
Para um partido como o PSD, que se define como personalista, humanista, interclassista e intergeracional, aprovar uma medida que dita uma sentença à nascença às crianças com pais desempregados, não deixa de ser, no mínimo, vergonhoso. Hoje, temos a direita submissa ao discurso populista e incendiário do Chega, como forma de garantir a sua permanência no poder.
Uma primeira questão impõe-se: A que custo? Discriminar negativamente as crianças mais vulneráveis é negar-lhes um futuro melhor e votar os Açores a um caminho tortuoso! Esta é uma medida segregadora, desprovida de qualquer sensibilidade social e que não encontra qualquer suporte científico. Todos os estudos comprovam que são as crianças das famílias mais vulneráveis e mais pobres as que mais beneficiam com o acesso às creches. Falamos de crianças entre os 6 meses e os 3 anos, período determinante do desenvolvimento cognitivo, decisivo para o sucesso escolar e, logo, para a concretização do tão apregoado “elevador social”. Se queremos quebrar o ciclo de pobreza, estas políticas não podem ser peças num tabuleiro de jogo político.
Uma segunda questão, não menos importante, segue-se: E as crianças dos pais que trabalham? Obviamente que necessitam de uma resposta. Este problema só se resolve dando as mesmas oportunidades a todos! E não castigando uns em benefício de outros. Muito menos quando o castigo passa por punir as crianças que nascem em famílias mais desprotegidas. A solução terá de passar, obrigatoriamente, por construir mais creches. Com a gratuitidade das creches a escassez acentuou-se, e muito. A construção de mais creches, a criação de condições mais atrativas para a atividade de Ama ou, ainda, a contratualização com privados são soluções apontadas pelo Partido Socialista para suprir a escassez de vagas em creche.
Relegar as crianças de pais desempregados para o fim das listas, rotular como as crianças do RSI e ditar-lhes uma sentença à nascença, não é a resposta. Não aceitamos, não podemos aceitar, sob pena de votar os Açores a um caminho sem volta. Uma região governada pela batuta do populismo, onde uns são mais merecedores do que outros, onde a polarização social é a solução.
Quando temos o Presidente do Governo a afirmar que não se comove “com quem promove a crónica do mal-dizer”, referindo-se a todos (e já foram muitos) que se manifestaram contra a aprovação desta medida, dá boa nota de como não entendeu (ou não quer entender) o impacto desta situação. Negar que estamos perante uma discriminação negativa, negar que este é um fantasma que ameaça a nossa sociedade, não é aceitável. Esta é uma questão de princípios e de linhas vermelhas que não se ultrapassam em nenhuma circunstância.
O problema existe, a solução é exigida. E a solução tem de passar pela disponibilização de mais vagas nas creches, dando iguais oportunidades a todos. Como sociedade não podemos aceitar esta sentença, todos nós somos convocados a congregar e nunca a abandonar. Sentenças à nascença? Não, não aceitamos. E, por isso, o assunto continua a não ter piada nenhuma!